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31/01/2022

No blog Ciência & Matemática: Futebol LTDA

Artigo publicado no blog Ciência e Matemática do jornal O Globo, coordenado pelo diretor-adjunto do IMPA, Claudio Landim.

Carlos Frederico Rocha, professor titular do Instituto de Economia.

Nos últimos meses, torcedores e analistas presenciaram uma radicalização de um movimento de aquisição de equipes de futebol por empresas e indivíduos. Esse fenômeno (sem trocadilho) já vinha rondando o cenário futebolístico nacional há alguns anos, mas se mantinha restrito a equipes de menor expressão, que frequentavam torneios estaduais ou divisões inferiores do futebol e que raramente tinham a capacidade de encher estádios. A novidade é a sua extensão a clubes de grande prestígio, ex-campeões brasileiros e/ou continentais, como é o caso de Cruzeiro, Botafogo e Vasco. A mudança de propriedade do futebol desses clubes tem sido recebida com um misto de alegria e ceticismo. De um lado, afirmam alguns se tratar da última esperança para recuperação de clubes financeiramente quebrados, cuja manutenção de elencos caros e competitivos está inviável, de outro lado, há a nostalgia e a desconfiança de se tratar simplesmente de transferência de propriedade e possível perda de identidade, alguns chegando a falar da onda de “privatização”.

Inicialmente, cabe desmistificar que não se pode usar a palavra privatização nesses casos. Não se pode privatizar o que já é privado. Clubes são propriedade de indivíduos, seus estatutos definem direitos e deveres desses indivíduos. Os grandes clubes brasileiros vêm sendo controlados por famílias há pelo menos um século, atendendo interesses difusos e com comprometimentos dos mais vários tipos. Pode-se elencar uma quantidade enorme de processos de apropriação indébita por parte dos dirigentes não remunerados dos clubes, além disso, a condução dos negócios, como bem mostra a situação dos clubes citados acima, beira a irresponsabilidade, com a assunção de dívidas que são impagáveis. Logo, o processo que estamos assistindo é de mudança de propriedade entre entes privados.

Então, o que distingue esses dois entes? Nós, economistas, metemos o nariz em qualquer assunto, até futebol. Vamos começar pela função objetivo. A função objetivo de um clube é de difícil definição, mas a literatura econômica se debruçou sobre o assunto em uma série de artigos. Um interessante exemplar é Solberg e Haugen (2010). Ali, eles diferenciam os times europeus dos norte-americanos. Os primeiros seriam organizações clubísticas, como prevaleceram aqui no Brasil, em que indivíduos se filiam, mas que também têm torcidas que podem influenciar suas decisões. Esses clubes teriam uma função objetivo guiada por resultados, ou seja, procurariam obter o melhor resultado possível, independentemente do resultado financeiro. Já os norte-americanos são equipes-empresa. Sua função objetivo seria a maximização dos lucros. A receita de um clube ou de uma empresa desportiva seria função de duas variáveis, o tamanho do mercado e do resultado obtido. O resultado obtido seria, por sua vez, uma função da contratação de talentos.

Vamos, momentaneamente, não analisar o tamanho do mercado. Resumidamente, então, as estratégias de um e de outro podem ser descritas pelo exame do gráfico, que mantém unidades monetárias no eixo vertical e volume de talentos (seja pela qualidade ou quantidade de jogadores) no eixo horizontal. Nele, simplificadamente, assume-se que o custo marginal da contratação de talentos é constante, representado por uma linha horizontal. Também de maneira simplificada, pensa-se em rendimentos marginais decrescentes, ou seja, na medida em que você contrata novos talentos, o seu rendimento aumenta, porém a taxas cada vez menores. Assim, derivam-se as curvas de receita média (receita por unidade de talento) e receita marginal, ou seja, receita pela unidade adicional de talento. Uma empresa contrataria a quantidade TL de talento, obtendo o lucro representado pela caixa verde, enquanto um clube, nos moldes tradicionais, contrataria a quantidade a quantidade TR, igualando receita e custos, e obtendo lucro zero. Assim, à primeira vista, os céticos das mudanças recentes em seus clubes podem ter razão: a mudança de propriedade na direção de empresas levará os clubes a resultados piores.

Existem, contudo, três complicadores para o caso do modelo tradicional:
(i) Muitas vezes sócios beneméritos resolvem realizar doações aos clubes, levando a contratação de talentos para além de TR. Há um conjunto de exemplos desse tipo no Brasil. Assim deve ser tratada a relação da Unimed com o Fluminense, a recente onda de contratações do Atlético Mineiro ou até mesmo as relações estabelecidas entre Crefisa e Palmeiras. Em todos esses casos, amantes do futebol e de seus clubes fizeram ou fazem aportes financeiros que permitem a extensão do gasto na contratação dos talentos. A cessação desses aportes pode causar crises, dado o claro dispêndio acima da receita;

(ii) A contratação de talentos não garante o resultado, mas a expectativa de resultados. A não realização de uma expectativa pode causar frustração de receitas futuras, podendo trazer um deslocamento para a esquerda das curvas de receita média e marginal, levando o clube a prejuízos; e

(iii) Os contratos com jogadores de futebol e equipes técnicas tendem a ter prazos estendidos, o que pode levar a dificuldades de ajuste no caso de frustração de receitas. Exemplos recentes podem ser apresentados como é o caso do próprio Fluminense com a saída da Unimed, o caso do Grêmio, com a frustração de classificação nas Copas após a saída de Renato Gaúcho, ou o drama vivido pelo Cruzeiro em seu rebaixamento sem perspectiva de retorno.

Leia o artigo completo no blog Ciência e Matemática