Na Folha, Viana fala de Gauss e a importância das ideias
Coluna de Marcelo Viana, diretor-geral do IMPA, na Folha de S.Paulo:
À afirmação de que certo teorema “será muito difícil de provar, porque não existe uma notação para representar números primos”, Gauss respondeu com a famosa exclamação irônica em latim “notationes versus notiones”, querendo dizer que o que importa são as ideias (noções) e não os nomes que lhes damos (notações). Ele tinha razão, claro: em apenas um ano, esse teorema já fora provado por Lagrange.
Assim mesmo, sou questionado com frequência sobre certas terminologias da matemática que despertam paixões. Tais discussões costumam ser divertidas, mesmo tendo pouca relevância científica. Vejamos três exemplos.
Números naturais são os números inteiros com exclusão dos negativos. E o zero, é número natural? “Sim e não. Incluir o zero nos números naturais é questão de preferência ou, melhor, de convivência. Para um algebrista, é natural ser favorável, mas um analista provavelmente será contra”, respondia o saudoso professor Elon Lima.
Um losango é um polígono com quatro lados de igual comprimento. Exigimos também que os ângulos não sejam retos, ou o quadrado é um caso especial de losango? Um triângulo se diz isósceles se tiver dois lados de igual comprimento. E se o terceiro também tiver o mesmo comprimento, o triângulo ainda é isósceles, ou esse caso (triângulo equilátero) está excluído? Até livros didáticos se atrapalham com essa.
Um número natural é primo se tem apenas dois divisores, ele próprio e o 1. E o próprio 1, é primo ou não? Até o início do século 20 prevaleceu a opinião afirmativa: por exemplo, os “Exercícios de Análise Numérica”, publicados por Lebesgue em 1859, afirmam explicitamente que 1 é primo. Hoje em dia, é consenso entre os matemáticos que 1 não deve ser considerado primo (nem composto). Não porque estaria errado e, sim, porque desse modo o enunciado do teorema fundamental da aritmética fica mais simples: “todo inteiro maior do que 1 pode ser escrito de modo único como produto de primos”.