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20/10/2021

Na Folha, a matemática das cartas criptografadas

Foto: Pixabay

Coluna de Marcelo Viana, diretor-geral do IMPA, na Folha de S.Paulo:

“Nisso nos valemos de um artifício que permite distinguir as grandezas dadas daquelas que são desconhecidas, por meio de um simbolismo fácil de entender —por exemplo, representando as primeiras por consoantes e as últimas por vogais.” Assim resumiu o francês François Viète (1540–1603) sua maior realização na matemática, iniciada em 1591 com a publicação da ”In Artem Analyticem Isagoge” (“Introdução à Arte Analítica”).

A convenção vogal-consoante durou pouco: o compatriota René Descartes (1596–1650) preferia representar valores conhecidos pelas primeiras letras do alfabeto (a, b, c…) e as incógnitas por meio das últimas letras (z, y, x…), e foi essa moda que pegou.

Assim mesmo, a ideia da notação literal —representar números, conhecidos ou não, por meio de letras— permanece um passo fundamental no desenvolvimento da matemática, marcando a transição da álgebra medieval para a moderna.

Viète realizou a sua carreira ao serviço de nobres e, posteriormente, dos reis da França. Sua principal tarefa na corte era decifrar as cartas criptografadas dos inimigos do monarca. Uma delas, dirigida ao rei da Espanha, revelou uma conspiração católica para depor o rei francês Henrique IV. A sua publicação abriu o caminho para o encerramento das Guerras da Religião na França.

Contam que numa ocasião, ao final de um jantar copiosamente regado, Viète se gabou perante os embaixadores venezianos e espanhóis de estar lendo suas cartas secretas há anos. Compreensivelmente chateados, os espanhóis o acusaram perante a corte papal de usar artes mágicas. Mas o papa, que tinha seu próprio exército de espiões, não se deixou impressionar.

O sucesso da notação de Viète é tal que fica difícil explicar porque ela foi tão revolucionária e importante. Uma razão meio óbvia é a generalidade: quando provamos, por exemplo, que (a + b)2 = a2 + 2ab + b2, obtemos um fato que vale para todos os valores de a e de b, e não apenas para números particulares.

A propósito, essa igualdade descoberta por Viète foi depois estudada por Blaise Pascal (1623–1662) e Isaac Newton (1643–1727), e acabou ficando conhecida como ‘binômio de Newton’. Aquele de quem o poeta português Álvaro de Campos disse: “O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo. O que há é pouca gente para dar por isso”.

Leia a coluna na íntegra no site do jornal