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25/12/2017

História inspiradora: Os sonhos possíveis de Marta Oliveira

No pequeno município de Coité do Noia, no interior de Alagoas, nasceu Marta Oliveira, a mais nova dos quatro filhos de Severina Severiano, que criou praticamente sozinha os filhos e fez questão de que todos completassem os estudos.

Marta é uma menina fora dos padrões. A pele alva e a farta cabeleira cacheada cor de cobre fazem com que ela se destaque na multidão. Mas, o que mais chama a atenção na moça são os olhos esverdeados, ávidos por enxergar além do que o mundo oferece. Marta vive em um mundo de sonhos.

Os sonhos da garota de 18 anos, como ela, são diferentes daqueles das meninas de sua idade: são povoados de números e formas geométricas, assim como seus ídolos não são cantores internacionais ou atores de cinema. “Admiro muito Gauss”, afirma, sorrindo, abraçada a um livro. Ao falar sobre isso, dá uma aula sobre a vida de Carl Friedrich Gauss, “o Príncipe da Matemática”, que viveu no século 18 e se destacou no estudo da Teoria dos Números. Não à toa, essa teoria é o objeto principal das pesquisas de Marta.

Participação na OBMEP e no PIC

Para entender melhor a história de Martinha, como é conhecida por professores e amigos, é preciso voltar a 2008, quando participou pela segunda vez da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas e conquistou uma medalha de bronze.

O prêmio a colocou no seleto grupo de alunos participantes do Programa de Iniciação Científica Jr. (PIC). No entanto como poderia fazer parte de um programa de aulas virtuais quando sua casa não tem acesso à internet e por vezes, nem sequer energia elétrica? Foi aí que um professor com muito amor pela profissão e coração aberto entrou em ação.

À época, Josué Lourenço ensinava matemática a Marta e se entusiasmou com sua classificação na OBMEP. Sabendo que a Escola Estadual Álvaro Paes, onde estudava, não tinha bons computadores, decidiu fazer um esforço extra. Como tinha duas matrículas – a segunda era como diretor na Escola Municipal José de Sena Filho –, ofereceu uma parceria entre as duas instituições para possibilitar o acesso ao fórum do PIC na escola municipal. “A satisfação de um professor é notar o empenho do aluno. O aprendizado dela me motivou a lhe dedicar atenção. Marta sempre foi uma aluna excepcional”, conta Josué.

O esforço extra do professor e da aluna rendeu frutos. Logo Marta se tornou uma verdadeira atleta da matemática, colecionando menções honrosas e medalhas em olimpíadas nacionais e regionais. “Fiquei mais nervosa quando fiz a regional. De início, nem queria participar, porque achava que não ia me dar bem. Sabia que haveria muitos alunos de escolas particulares da capital e ficava pensando: ‘Como eu, uma menina de uma escola pública do interior, poderia me sair bem nesse meio?’. Mas Josué dizia que eu era capaz e me motivou muito”, lembra a menina, mostrando a importância de um professor que sabe identificar e estimular o potencial de seus alunos.

“FOI UMA DAS MELHORES EXPERIÊNCIAS DA MINHA VIDA”

O então responsável pela correção das provas da Olimpíada Alagoana de Matemática era o professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Krerley Oliveira. Deparando-se com a lista de medalhistas, foi pego de surpresa: empatados em primeiro lugar, estavam dois rapazes de escolas particulares da elite de Maceió e… uma menina de Coité do Noia, município de 12 mil habitantes, a 130 quilômetros da capital. “Me chamou a atenção primeiro por ser uma estudante da rede pública empatada com outros de colégios particulares tradicionais; depois por ser do interior”, lembra. A surpresa não parou por aí. Curioso, buscou os dados da menina e encontrou seu e-mail: marta.sonharepossivel@…. “Não contive a emoção”, conta o professor que hoje é orientador de Marta.  

Encontro do Hotel de Hilbert

Se sair da zona rural – onde a família vivia da plantação em seu sí- tio –, para fazer as aulas virtuais do PIC no “centro” de Coité já era uma viagem para Marta, imagine o “choque de realidade” de viajar a Maceió para receber a medalha da competição regional…

Entretanto, a viagem que mais marcou a jovem foi a ida a Nova Friburgo, cidade da região serrana do Rio de Janeiro, para o Encontro do Hotel de Hilbert. Nomeado a partir do paradoxo matemático homônimo, o encontro é uma reunião nacional dos alunos com melhor desempenho no PIC. Durante cinco ou seis dias nas férias, eles se dedicam totalmente à matemática, orientados por alguns dos melhores professores da disciplina no país. “Foi uma das melhores experiências da minha vida. Sinto muita saudade até hoje. Ali fiz amigos e aprendi um bocado de coisas incríveis”, lembra Marta, com os olhos brilhando.

Conhecido entre os alunos do PIC apenas como EHH, o encontro não é apenas uma vivência acadêmica, mas uma experiência pessoal. Para Marta, foi sua primeira viagem para fora de seu estado – a primeira vez em que esteve longe de sua família e, principalmente, onde se sentiu entre iguais. “Ali eu vi que havia outras pessoas como eu, que se divertiam com a matemática e que viam a sua beleza.”

A menina descreve a disciplina como “apaixonante”, e os seus grandes ídolos são matemáticos alagoanos, em especial o professor Elon Lages Lima, pesquisador emérito do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), e Fernando Codá, que realizou o Mestrado no Instituto.

Ídolos

Dona de uma verdadeira coleção de livros de matemática, que trata como tesouros, Marta mostra orgulhosa as dedicatórias dos autores em alguns deles.

Ela optou pela Matemática no vestibular e, para orgulho de sua mãe, foi a terceira filha a entrar na universidade, tendo sido aprovada para a UFAL.

A mudança para a capital não foi suave, e nos primeiros meses considerou voltar para casa: “Estava acostumada à vida na zona rural, ao meu canto, a outro ritmo. Houve momentos em que me perguntava se valia a pena todo aquele esforço, ficar longe da famí- lia, se não era melhor voltar para Coité e arrumar emprego por lá. Até que o Krerley apareceu”.

“QUERO MUITO ME TORNAR UMA GRANDE PESQUISADORA E TAMBÉM DAR AULAS”

O professor, que acompanhava sua carreira acadêmica desde a medalha na olimpíada regional, viu que Marta havia passado para a universidade onde dava aulas e a convidou para trabalhar em uma linha de pesquisa. “Ela estava um pouco perdida quando chegou, mas logo se saiu muito bem. A Marta é uma batalhadora – corre atrás até conquistar seus objetivos”, elogia.

Hoje, Marta está no terceiro ano da graduação. Sua pesquisa, sobre a Teoria dos Números, já rendeu uma palestra na UFAL. “Quem sabe no próximo ano eu não faço um curso de verão no IMPA? Seria incrível conhecer o professor Elon”, diz a jovem.

Ela torceu muito para que Codá, ícone alagoano, recebesse a Medalha Fields no último Congresso Internacional de Matemática, em agosto de 2014. “Foi uma pena ele não ter ganho, mas o Artur Ávila é um grande matemático também e todos ficamos muito orgulhosos. E ainda dá tempo para o Codá ganhar a medalha no próximo, que vai ser aqui no Brasil, em 2018”, diz, esperançosa.

Quando indagada sobre o futuro, a jovem estudante de Matemática diz que seus grandes desafios agora são concluir a graduação, fazer mestrado e doutorado na UFAL ou até, quem sabe?, no IMPA. “Quero muito me tornar uma grande pesquisadora e também dar aulas em universidades”, diz.

A menina que saiu de Coité do Noia e já chegou tão longe sabe que, como seu próprio endereço de e-mail indica, sonhar não só é possível, como vale a pena.