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02/10/2017

Aluno do Maranhão aposta na transformação pela Matemática

 

Karine Rodrigues

Em Feira Nova do Maranhão, todos os alunos do Ensino Médio estudam na mesma escola: Centro Rosalina Sá. E apenas no período noturno porque as aulas são dadas em um estabelecimento de Ensino Fundamental, enquanto a unidade destinada aos alunos adolescentes não é inaugurada. A situação deveria ser excepcional, mas se arrasta desde 2013.

Como estudante do 2º ano do Ensino Médio, Eduardo Silva Feitosa, 16 anos, sonha com essa inauguração. Ele chegou à cidade no mesmo ano em que a obra da escola foi iniciada. Deixara Balsas, também no Maranhão, porque o pai, Arinaldo, aceitara o convite para se tornar obreiro missionário em Feira Nova do Maranhão. Lá vivem pouco mais de 8 mil pessoas, a maioria na zona rural, e a urbanização ainda engatinha. O percentual de esgotamento sanitário adequado, por exemplo, não chega a 10%, segundo o IBGE.

Ao contrário da maioria da população, a família Silva Feitosa foi para a zona urbana, que tem apenas dois bairros. Moram no Centro, a cerca de 200 metros da escola onde Eduardo estuda. “Para mim é perto, mas para os alunos que moram na área rural é longe. Além de perigoso, porque as estradas são muito escuras”, relata, com um olhar que vai além do próprio umbigo.

Único estudante do Maranhão a conquistar uma medalha de ouro na OBMEP em 2016, ele reage com generosidade à exclusividade do título: “Infelizmente. Queria que mais alunos tivessem ganhado ouro”, diz Eduardo, contando que foi particularmente difícil ter alcançado tamanho desempenho no 1º ano do Ensino Médio, por causa da concorrência com alunos do 2º e do 3º anos, que compõem o nível 3 da olimpíada.

“Durante 1 mês, estudei cerca de 10 horas todos os dias, pelos bancos de questões da OBMEP, pelas provas anteriores da 2ª fase da olimpíada e com aulas em vídeos sobre assuntos que eu não sabia. Esse esforço valeu muito”, assegura o estudante, que descobriu a olimpíada quando cursava o 6º ano do Ensino Fundamental. “Certo dia, na casa do meu avô, eu me deparei com o site da OBMEP e cliquei na área de vídeo das soluções. Quando olhei a explicação dos professores, minha mente instantaneamente se abriu e percebi que era somente raciocínio lógico associado com interpretação de texto e contas básicas. A partir daí, meu interesse aumentou”, revela.

Eduardo participa da OBMEP desde então. Já conquistou quatro medalhas. Além do ouro em 2016, ganhou um bronze e duas pratas. Quando reflete sobre o caminho trilhado até aqui, destaca o apoio e a disponibilidade da mãe, Marinete, 40 anos, que agora trabalha em casa, e do pai, que, além de pastor, “é marceneiro e pedreiro nas horas necessárias.”

“Meus pais estudaram até o Ensino Fundamental e fizeram o Supletivo para obter o diploma de Ensino Médio. Eles sempre batalharam para nos dar uma vida melhor, a mim e a meu irmão mais novo, Lucas. Quando morávamos em Balsas, meu pai era artesão com pré-moldados. Fazia vasos de planta, manilhas, pias de lavar roupar, tampa para fossa. Minha mãe era vendedora em uma loja. Mesmo a mensalidade sendo baixa, pagavam, com dificuldade, uma escola privada para estudarmos. No 6º ano, passei a estudar em escola pública. Quando mudamos de cidade, meu irmão também foi para escola pública”, recorda.

Fora do ambiente familiar, a lista de pessoas que Eduardo agradece pelo apoio recebido é longa, encimada pelo professor de Matemática Gildemar Brito Coelho, seguido por outros mestres, gestores das duas escolas onde estudou e pelo coordenador regional da OBMEP, Daniel Santos Carvalho.

Coelho cruzou o caminho de Eduardo na Escola Municipal Pedro Alves de Oliveira. Um dia, foi até a casa do estudante recém-chegado à cidade para contar que ele passara para a segunda fase da OBMEP.

“Ele foi lá me congratular e se disponibilizou a me ajudar na competição. Mas nunca o procurei porque sabia que ele era muito ocupado, dava aula nos três turnos. Ainda assim, o apoio dele foi essencial para minha história na OBMEP”, enfatiza Eduardo, contando que, sem acesso à internet, estudou em livros de concurso. Por fim, conquistou um bronze.

O professor lembra bem daquela primeira vitória do aluno e avalia que, desde então, ele só evolui nos estudos. “Percebo que ele cresceu bastante ao longo desses anos. Além disso, é um aluno dedicado, tranquilo, na dele e gosta muito de ajudar”, conta Coelho.

Eduardo diz que gosta de fazer de tudo um pouco, “de tarefas domésticas até trabalhos pesados, como ajudante de pedreiro” e acha que tudo se torna “bem prazeroso” quando é em benefício dos outros. Nas horas vagas, ocupa o tempo com a Matemática, o inglês e a Bíblia.

Dedicação e resultados

Por ter sido medalhista em 2014, Eduardo foi convidado para participar do Programa de Iniciação Científica Júnior (PIC Jr.) da OBMEP. Para estar no encontro presencial mensal, passava três horas na estrada até Imperatriz. Com a bolsa de R$ 100, pagou a mensalidade de um notebook, garantiu acesso à internet e acompanhou as atividades no Fórum Virtual do programa.

Naquele ano, Eduardo ganhou outra prata. Em 2015, foi um dos 200 estudantes selecionados para o Hotel de Hilbert, o encontro de destacados bolsistas do PIC Jr., que, na época, foi realizado em Florianópolis. Não havia, além dele, qualquer outro representante do Maranhão.

Coordenador regional da OBMEP, Daniel Santos Carvalho conheceu Eduardo durante as cerimônias de premiação no Estado e acompanhou o que chama de crescimento sólido e constante do estudante. Segundo ele, o adolescente, mesmo morando em uma cidade pequena no interior do Maranhão, sempre se mostrou empenhado nos estudos e é a prova de que, “quando há dedicação e foco nos objetivos traçados, os resultados aparecem.”

De aluno a professor de reforço em Matemática

Diante de suas conquistas, Eduardo começou a matutar: que tal dar uma ajudinha para tentar melhorar o desempenho dos estudantes do Maranhão na OBMEP? Com essa ideia na cabeça, conversou com gestores da Escola Municipal Pedro Alves de Oliveira, onde estudou, e da Rosalina Sá, e se ofereceu para dar aulas de reforço, às sextas-feiras, para alunos do município, com foco na segunda fase da Olimpíada.

A ideia virou realidade, e os resultados já estão aparecendo. Feliz, fala de um aluno que, após cinco tentativas, conseguiu há pouco passar para a segunda fase da competição, realizada no sábado, 16 de setembro.

“Vejo que aqui na cidade muitos alunos têm potencial, mas não sabem como funciona essa segunda prova. Por isso, acabam não alcançando o resultado que tanto esperavam”, avalia o maranhense, que diz já ter recebido convites para estudar em instituições de outros estados.

Para o futuro, ele tem muitos planos. Sonha com um intercâmbio nos Estados Unidos, promovido pelo Programa Jovens Embaixadores; uma bolsa de estudos TIM OBMEP; e um curso universitário em Engenharia Civil ou Elétrica, em alguma capital brasileira.

No presente, porém, diz que o que quer mesmo é repassar sua experiência e palavras de incentivo aos conterrâneos, alunos de Feira Nova do Maranhão. É movido pelo desejo de mudar uma associação que ele acredita ser recorrente: “Quando as pessoas ouvem falar sobre o Maranhão, pensam logo em pobreza e fome”, afirma Eduardo, ele mesmo uma prova de que, diante de oportunidades e dedicação, é possível alcançar resultados almejados.

“A OBMEP me mostrou que a Matemática é muito mais do que uma simples conta de adição e que podemos mudar o mundo, para melhor, com ela”, diz o estudante, que, em 2017, ainda espera conquistar mais um ouro e ver sua escola ser finalmente inaugurada.