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07/05/2018

Na Paraíba, estudante dribla percalços e conquista três ouros

Karine Rodrigues

Leonardo tem 14 anos. Habituado às carências da vida, conseguiu escapar da sina que marcou gerações dos Lima Silva e de tantas outras famílias curtidas no sol do sertão da Paraíba, onde os filhos mais velhos têm lida a cumprir – dentro ou fora de casa – para contribuir com o sustento da família.

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Filho de Maria da Conceição, que deixou a escola para ajudar na criação dos cinco irmãos, o adolescente tem a mãe como exemplo. Dela herdou a persistência, que a fez acalentar o sonho de estudar até os 37 anos, quando finalmente ingressou em turma de Educação de Jovens e Adultos e concluiu o primeiro segmento do Ensino Fundamental.

“Antes disso, nos tempos vagos, ela buscava aprender de alguma maneira, pelo menos a ler e a escrever, o que na época era considerado o necessário. Quando acho que não consigo alguma coisa, isso é uma motivação para mim. Letra linda ela tinha”, recorda Leo, revelando, na lembrança do detalhe, como estava atento às conquistas da mãe.

Em 1º de julho, quando completar os simbólicos 15 anos, o adolescente vai encarar outra data fechada: um ano sem convivência com Maria da Conceição. Sem saber, o encontro na data festiva, em um leito de hospital, fora uma despedida. Ela morreu poucos dias depois, aos 43 anos. O diagnóstico de câncer com metástase veio apenas com a cirurgia.  Não bastasse, contraiu uma infecção hospitalar. Foi a gota d’água.

“Por mais difícil que seja, eu me sinto motivado a buscar meus sonhos, pois ela me induzia sempre a isso, com sua história de vida e as voltas por cima que deu. Ela me fez compreender a responsabilidade que tenho de buscar o que quero, porque, mesmo com a vida desestruturada, ela conseguiu. Mais uma prova de que muito esforço faz, sim, total diferença”, diz Leo, que, fruto de um namoro breve, cresceu sem conviver com o pai.

Maria da Conceição, Letícia e as irmãs caçulas

E bota dificuldade nisso. Na capital, onde foi tentar a vida, Maria da Conceição enfrentou muitos percalços. Ficou viúva e criou cinco filhos e um sobrinho praticamente sozinha. Morava em uma vila humilde, onde ganhava a vida com faxina e lavagem de roupa. Lá, testemunhou problemas causados pelo álcool, drogas e violência.

“Eu a via, madrugadas e madrugadas, lavando e passando roupa. Ela era muito batalhadora. A gente passou necessidade, não tenho vergonha de dizer. Pedia o pão a um, a outro, nos bairros vizinhos. Mas as dificuldades também nos fizeram crescer como pessoas”, conta Letícia, que, com a morte da mãe, cuida de Leo, do primo deficiente de 21 anos e das irmãs, de 9 e 11 anos. Rala para concluir o bacharelado em Serviço Social, trancado durante a doença da mãe, e ainda cuidar da filha de pouco mais de um ano. A outra irmã, de 25, faz graduação em Pedagogia.

Morador da favela do Timbó, em João Pessoa, está acostumado com o dia a dia de faltas. Mas não desiste. “É uma comunidade onde mais da metade da população é bastante carente. O fato de ser bem pequena facilita no sentido de todos se conhecerem, o que faz com que a convivência seja pacífica”, avalia.

Foco na OBMEP logo trouxe resultados

Quem ouve Leo pode até achar que há algo fora da ordem, como se a maturidade expressa na fala não se encaixasse em alguém de tão pouca idade. Mas, como diz Letícia, a vida ensina. E Leo está sempre atento. “Desde pequeno, ele é muito esforçado. Tenta fazer o que pode para ajudar as pessoas. Se sentar e conversar com ele você pensa que está falando com um homem de 30 e poucos anos. Ele almeja um futuro brilhante. E sei que vai conseguir, porque faz tudo que promete. Mas não é à toa. Ele foca muito”, destaca a irmã. 

Com a OBMEP foi assim. Soube da olimpíada em 2014 na Escola Municipal Olívio Ribeiro Campos, em João Pessoa, pelo professor Narciso Mousinho, de Matemática. Tinha 10 anos. Ganhou bronze e disse à família que tentaria o ouro. Nos três anos seguintes, 2015, 2016 e 2017, cumpriu o prometido. No ano passado, foi o único estudante da Paraíba a conquistar o prêmio máximo no nível 2, destinado aos alunos do 8º e 9º anos do Fundamental.

É por isso que, se é para escolher uma palavra para definir o irmão, Letícia cita determinação. “Ele é assim desde sempre.” Foi duro na queda até quando, com um ano apenas, adoeceu. Ficou um mês entubado, desenganado pelos médicos. Mas virou o jogo: “A pressão dele estava muito alta e também tinha problema nos rins. Foi uma época triste, devastadora para a minha mãe e para todos nós. Éramos crianças, mas sabíamos que havia algo errado. Mas conseguiu superar”, relembra a irmã.

Quem o conhece diz que as conquistas de Leo são mais do que merecidas e não vieram de mão beijada. “Muitas vezes, quando acordo na madrugada, ele está dormindo em cima dos livros. Estuda muito. É focado”, relata Letícia.

Coordenador regional da OBMEP na Paraíba, Lenimar Nunes de Andrade tem a mesma opinião. “Ele é uma história de superação e sucesso que pode servir de motivação para os demais estudantes. Está sempre bem humorado, apesar das dificuldades”, diz o professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

“É um garoto extremamente determinado. Sabe o que quer”, acrescenta o professor Ronismar Andrade, da Escola Municipal Olívio Ribeiro Campos.

Em 2016, na cerimônia da OBMEP, parabenizado pelo medalha Fields Artur Avila

Em 2016, o ouro levou Leo à cerimônia de entrega de medalhas no Rio de Janeiro. Foi a primeira viagem para fora da Paraíba. “Sempre sonhei em sair do Estado, mas não imaginava que fosse logo ao Rio, referência em diversos aspectos do nosso país. Nunca pensei que viajaria de avião, ainda mais para ser premiado por algo que conquistei devido ao esforço. Do aeroporto ao hotel, vimos vários pontos turísticos, que só conhecíamos pela TV. Conheci alunos de todos os Estados que gostavam das mesmas coisas que eu e estavam vivendo as mesmas experiências, além de grandes nomes da Matemática no nosso país. Foi uma festa”, resume.

Por ter conquistado medalha, o adolescente pode participar do PIC, Programa de Iniciação Científica da OBMEP. “Tínhamos encontros mensais que, a partir de 2016, passaram a ser semanais, com professores especializados e alunos também medalhistas. O PIC em si me fez ter uma aproximação maior com a universidade, pois os encontros presenciais eram lá. Posso dizer que minha visão de futuro mudou positivamente a partir do PIC”, diz, considerando que, apesar de ter apreço pela Matemática desde pequeno – “talvez por ser aquela disciplina que todas as crianças nascem gostando, é da natureza” –, a Iniciação Científica o fez buscar ainda mais os estudos.

Com amigos do Programa de Iniciação Científica (PIC) da OBMEP

Sobre o tal “bicho de sete cabeças”, com o qual a Matemática é muitas vezes comparada, Leo tem uma opinião: “A diferença que existe na passagem do primeiro para o segundo segmento do Ensino Fundamental é extremamente desconcertante na cabeça dos alunos. É preciso ter em mente a diferença positiva que a Matemática faz no nosso cotidiano. Geralmente, conforme o tempo passa, essa visão não é reforçada, justamente pelo fato de a disciplina se tornar mais complexa ao longo da vida escolar. Logo, cria-se a teoria de que a Matemática é agoniante. Projetos como a OBMEP são um dos responsáveis por quebrar essa ideia”, avalia.

Aluno do 1º ano do Ensino Médio, ele estuda a pouco mais de um quilômetro de casa, em uma escola que, por ser integral, possibilita um contato mais estreito com os professores. “Eles estão sempre dispostos a nos orientar. A troca de experiências nos intervalos do almoço é sempre bem vinda. Eles têm um objetivo muito fortalecedor e simples: mostrar que escola pública tem qualidade, sim.”.

Todos os dias da semana, quando se levanta para ir à escola, Leo diz que tem em mente um objetivo: aprender sempre mais – e acredita que tenha encontrado o melhor caminho para isso.

“Aprender de maneira dinâmica e não repetitiva é, de todos os métodos, o mais eficaz e atraente. Isso até me ajuda a sorrir enquanto estudo o conteúdo.”

O futuro, ele vê, provavelmente, na pesquisa em Matemática ou na Engenharia. Seja qual for a escolha, Leo já tem uma grande torcida.

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