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11/12/2017

História inspiradora: Thaís Nascimento, de Campo Verde (MT)

Os pinguinhos de tinta que, cuidadosamente, a cearense Maria Aparecida da Silva Nascimento deixava cair em um pedacinho de papel ajudaram sua única filha, Thaís Silva do Nascimento, a dese­nhar as letras e os números, antes mesmo de ir para a escola.

Mas, naquela casa simples de um assentamento no interior de Mato Grosso, a menina aprenderia não apenas a ler, escrever e fazer contas. A maior lição ensinada pelos pais era que somente os estudos poderiam criar oportunidades de uma vida melhor.

Hoje, aos 25 anos a jovem se dedica à conclusão do Doutorado em Matemática na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em 2014, foi aprovada para a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), onde dá aulas de Álgebra, Álgebra Linear, Cálculo e Mate­mática Elementar como professora assistente.

“Quando era pequena, passava em frente à escola agrícola e pensava: ‘um dia vou estudar aqui’. Mas aí veio a matemática e mu­dou tudo”, conta a moça.

Trajetória

E como mudou! A trajetória de Thaís parece roteiro de cinema. Nas­cida em Mombaça, no Ceará, é filha mais velha de Maria Aparecida e Ari. O casal teve três filhos: uma menina que morreu aos quatro meses – “acho que foi meningite, mas não tinha médico na cidade para dizer”, lembra a mãe – e um menino prematuro que sobreviveu apenas um mês.

Cida teve cólera durante a gravidez. A tristeza com a perda dos filhos e a seca na cidade, a 600 quilômetros de Fortaleza, empurra­ram a família para longe do Ceará. Ari decidiu que iriam até Brasília e, de lá, tomariam o primeiro ônibus que partisse para outro lugar.

O pai já conhecia a região e começou a procurar emprego. Fo­ram quase dois anos até aderirem ao Movimento Sem-Terra e ten­tar uma vaga em um assentamento. Cida fez uma ressalva: só acei­taria se não houvesse invasão de fazendas.

Os três foram, então, morar em um acampamento à beira da es­trada, com mais de mil famílias. “Ficamos 40 dias em um acampa­mento em Nova Olímpia, perto de Tangará da Serra, e conseguimos.

uma vaga no Assentamento 28 de Outubro, em Campo Verde, onde moramos dez anos. A escolinha mais próxima ficava a 15 quilôme­tros e a condução passava às 4h40 da manhã”, conta.

Àquela altura, porém, a menina já sabia ler e escrever, gra- ças aos tais pinguinhos que a mãe fazia em cadernos para ela copiar. “Era muito cansativo. Às vezes, meus pais combinavam de me deixar dormir até mais tarde, para ‘descansar o juízo’. Mas eu acordava na hora e saía correndo. Não queria perder a aula de jei- to nenhum”, conta hoje a professora.

Ao que tudo indica, Thaís estava destinada ao magistério desde o berço. O primeiro presente que ganhou da avó materna, antes de completar um mês de vida, foi um caderno. Talvez fosse uma aposta no futuro, já que a mãe só tinha completado o 3º ano do Ensino Fundamental e planejava “fazer o que fosse preciso” para a menina ter uma profissão.

“Fui alfabetizada por minha mãe. Ela me ensinou até a fazer prova real, sem saber o que era isso. Até o 8º ano do Ensino Funda­mental, estudava comigo, mesmo tendo parado na 3ª série. Era muita vontade de me ver aprendendo”, lembra.

“GRAÇAS AOS MEUS PAIS, SEMPRE PUDE ME DEDICAR INTEGRALMENTE AOS ESTUDOS. E ISSO, LÓGICO, FEZ TODA A DIFERENÇA NA MINHA VIDA”

Desde o primeiro dia em uma sala de aula convencional, Thaís chamou a atenção dos professores. Com um mês de escola, a direto­ra convocou Cida para avisar que tiraria a menina do antigo C.A. e a avançaria para o 1º ano. Como já sabia ler e escrever, ela assumia o quadro-negro para ajudar os colegas. No fim do período, com seis anos, Thaís já concluía a 2º série.

“Queriam que eu voltasse ao pré-escolar por causa da idade. Não se conformavam de eu estar tão adiantada. Minha mãe foi lá e brigou por mim. Decidiram que eu iria fazer uma prova e que, se tirasse mais de 9, não precisaria fazer as séries anteriores. Tirei 9,5, mas, mesmo assim, tive de fazer todos os exercícios dos ou-tros anos”, lembra a moça.

A partir daí, a vida escolar seguiu sem maiores atropelos, mas com as dificuldades típicas das escolas rurais: distância de casa, estradas ruins, professores despreparados…

A família se virava como podia: Ari, a partir de 2001, começou a trabalhar como mototaxista. Segundo Thaís, o dinheiro guardado rendeu algumas cabeças de gado que, anos depois, custearam a mo­radia em Cuiabá, onde ela viria a fazer a faculdade.

Além de cuidar do gado, Dona Cida sempre arrumava tempo para ajudar Thaís nos estudos e não a deixava se aproximar das ta­refas domésticas. “Graças aos meus pais, sempre pude me dedicar integralmente aos estudos. E isso, lógico, fez toda a diferença na minha vida.”

Matemática no DNA

Em 2005, Thaís estava no 2º ano do Ensino Médio quando um pro­fessor propôs que ela participasse da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP).

“Este professor, Sidney, foi muito importante. Ele não só me estimulou a fazer a prova, como imprimiu e me entregou as listas de problemas disponíveis no site da OBMEP. Disse que era para eu treinar em casa e tirar as dúvidas com ele na escola. Ele acredi­tou e investiu no meu potencial”, diz.

A adolescente nem se achava tão talentosa assim para a Matemática. Afinal de contas, todos aqueles problemas que levava tempo para resolver, o pai Ari batia o olho e dava a resposta de cabeça…

Mas o DNA falou mais forte e ela encarou a missão. Achou a pro­va difícil, mas, na 2ª Fase, conquistou uma medalha de prata. Estava carimbado o passaporte para o Programa de Iniciação Científica Jr. (PIC) no ano seguinte, na UFMT.

Na primeira aula do PIC, em julho de 2006, Thaís e Cida saíram de Campo Verde com R$ 30 na carteira para passar dois dias em Cuiabá.

“Descobrimos que o PIC tinha uma bolsa de R$ 100, que funcio­nava como ajuda de custo. Voltamos para casa abonadas”, brinca Cida.

Em uma das viagens para Cuiabá, Thaís pediu à mãe para ir ao shopping. Dona Cida deixou. Na volta, a menina trazia um milk-shake, que ela até então não havia experimentado.

“Em 2005 e 2006, quando pisei na universidade para as aulas do PIC, pensei: ‘É, acho que não quero mais fazer a escola agrícola…’ Aqui, o professor Martinho [da Costa Araújo] me adotou. Foi ele quem fez minha inscrição para o vestibular. Lembro como se fosse hoje, quando ele disse à minha mãe: ‘Essa menina vai passar no ves­tibular, estudar aqui e, com 21 anos, estará formada.’

“A OBMEP MUDA A SUA FORMA DE PENSAR E DE ESTUDAR. É UMA COISA PARA A VIDA TODA”

Aos 16 anos, Thaís ingressou na licenciatura em Matemática. Durante o curso, foi monitora do PIC e corrigiu provas da OBMEP. Durante a pós-graduação, foi professora orientadora do Programa por dois anos.

Hoje, toda vez que conversa com adolescentes, incentiva a participação na olimpíada. “A OBMEP muda a sua forma de pensar e de estudar. É uma coisa para a vida toda. Só pude fazer o Mes­trado e o Doutorado em outro estado porque tinha uma bolsa de estudos garantida pela OBMEP, por meio do PICME. Sou muito grata à Olimpíada.”

Segundo o professor Martinho, Thaís já se destacava desde o primeiro dia de aula, apesar de muito tímida. “Era curiosa, fazia perguntas elaboradas. Tinha um talento ali, mas precisava de estí­mulo para desabrochar. Você precisa estar atento o tempo todo, porque os jovens que vêm para o PIC, em sua maioria, enfrentam as maiores barreiras para chegar até aqui.”

No dia da formatura, Cida teve “um suadouro” e mal conseguiu chegar à festa. O namorado Nailton, sitiante em Campo Verde, não foi tão longe nos estudos, mas também morre de orgulho da jovem professora, e nem se incomoda quando ela comenta que sonha em batalhar uma bolsa fora do Brasil.

“Já avisei a ele: se a nota dela baixar, sou eu quem termina o namoro”, ameaça, em tom de brincadeira, a orgulhosa mãe.

Mas, logo Thaís tranquiliza a mãe: “Casamento só depois de concluir o Doutorado”.