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22/06/2018

Gisele Teixeira "ladrilha" seu caminho rumo às salas de aula

Estudar nunca foi problema para Gisele Teixeira Paula. Desde pequena tinha apreço pelos livros. O estímulo da família só fez aumentar o compromisso com os estudos. Ela conta que a primeira sala de aula foi a própria casa e os professores, seus pais.

“Desde muito nova eles me incentivaram a aprender. Da forma que podiam me ensinavam o que estava ao alcance deles. Apesar de ter estudado penas parte do Ensino Fundamental, se dedicaram a vida toda para que eu tivesse a oportunidade de ir mais além.”

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Agora, o que começou como uma atividade familiar vai terminar numa defesa de tese em Geometria Diferencial. Será no Impa, em 22 de junho, às 11 h.

Despertar para a Matemática 

Picada pelo mosquito da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), a menina da pacata Guarani (MG) percebeu que ali estava algo que gostava. Chegou a ganhar menções honrosas na competição. Embora as conquistas possam ter ajudado, não foram decisivas para que Gisele decidisse cursar Matemática.

“Acho que à época faltou maturidade para entender a fundo o que poderia ser uma carreira acadêmica em Matemática. Esta informação não chegou a mim logo cedo”, afirma.

Os anos passaram, e a facilidade para dominar as ciências exatas fez com que tivesse a certeza de que ali estava seu lugar. Passou no vestibular para a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com o intuito de cursar química e, quem sabe, fazer uma segunda graduação em Matemática. Enganou-se.

“Pensava inicialmente em cursar apenas licenciaturas. Ainda não tinha noção do que era o mundo acadêmico. Só sabia que queria ser professora, e que tinha  uma afinidade grande com as ciências exatas”, conta Gisele.

Tudo corria bem até ela cursar a primeira disciplina do curso de Matemática, mais voltada às demonstrações matemáticas. “Foi a partir daí que tomei a decisão de que era isso o que queria para a vida. Acabei não cursando nem química nem a licenciatura. Eu me dediquei ao bacharelado e à ideia de fazer mestrado e doutorado, agora com o intuito de ser professora no ensino superior”, relembra.

Por sorte, durante o processo de mudar de carreira e curso, Gisele teve o incentivo de professores, entre eles o seu orientador de iniciação científica e mestrado, Sergio Guilherme de Assis Vasconcelos.

 “Ele investiu em minha carreira acadêmica, me convidando para a primeira iniciação científica em um momento em que eu ainda estava engatinhando na Matemática.”

O empurrão de Vasconcelos impulsionou a trajetória de Gisele. Após a participação em dois cursos de verão no IMPA e a conclusão do bacharelado e do mestrado acadêmico na UFJF, ela estava pronta para o doutorado.

“A entrada no doutorado foi condicionada a meu desempenho no curso de verão, que foi extremamente difícil. Cheguei a pensar em desistir algumas vezes, mas acabou dando certo. Quando menos esperava, chegou o e-mail do aceite do IMPA”, conta. 

Adorável mundo novo

Gisele chegou ao IMPA para estudar Geometria Diferencial, área de interseção entre Geometria, Álgebra e Teoria dos Números, sob a orientação de Mikhail Belolipetsky.

Na tese “Geometria de conjuntos de Siegel para reticulados em SLn”, a jovem pesquisadora trabalha com a geometria de certos objetos algébricos . Ela explica ser comum a ideia de calcular o volume e o peso de um objeto concreto quando não temos uma balança ou outra forma precisa de medir. E como fazemos isso? Apelamos para a comparação com algo que sabemos o quanto pesa.

 

“Um dos problemas da tese envolve calcular o volume de algo mais abstrato e usar volumes de ‘tijolos matemáticos’  conhecidos para fazer a comparação. Tentamos estudar o quanto de erro haveria numa estimativa do tipo. No meu caso, o espaço abstrato é muito interesse em teoria dos números, formado por matrizes com certa propriedade especial e os blocos que chamamos de conjuntos de Cingiu.”

Outra noção que aparece na tese é a de “lattices”, também conhecido em português como ladrilhamento. “Vemos reticulados em nosso dia-a-dia, por exemplo, em uma parede perfeitamente preenchida por ladrilhos do mesmo tamanho, que se encaixam de forma a não haver sobreposições ou buracos. Na minha tese, essa noção aparece de maneira abstrata, onde o espaço a ser ladrilhado deixa de ser a parede e passa a ser um grupo de matrizes. No caso específico, o que fiz foi tentar obter um meio de realizar esse ladrilhamento de maneira eficiente.”

A parceria com Belolipetsky rendeu frutos, especialmente nos momentos em que o pesquisador “trava” no meio da tese. Sempre disponível, Belolipetsky fez com que todo seu grupo de alunos trabalhasse junto para que um ajudasse o outro durante a pesquisa.

“Muitas vezes em uma conversa de alguns minutos, ou algumas horas, com algum de meus irmãos acadêmicos, eu entendia rapidamente coisas que estava há dias sem conseguir compreender bem”, lembra.

Gisele ressalta a importância de ter feito o doutorado do IMPA, por possibilitar aos alunos o contato com pesquisadores de alto nível aliado à ótima a estrutura de trabalho oferecida aos alunos.

“A estrutura do espaço, a biblioteca extensa com obras matemáticas, a facilidade de acesso a artigos científicos de variadas origens e pesquisadores de excelência em muitas áreas diferentes talvez sejam pontos que realmente façam com que o IMPA seja um diferencial.”

França, aí vou eu!

Atuando na área da Matemática Pura, a futura doutora revela que é quase impossível falar de uma aplicação prática direta do trabalho em algo do cotidiano. “A contribuição imediata do meu trabalho seria mais acadêmica, como acontece na grande maioria dos casos.”

Segundo ela, trata-se de um tipo de trabalho necessário, mas que precisa de alguém para se debruçar sobre o assunto a fim de que surjam resultados práticos.

“Muitas vezes não os escolhemos, os resultados apenas se revelam durante a pesquisa. Temos a necessidade e, de certa forma, a responsabilidade de divulgá-los para que, no momento em que alguém queira usar, eles estejam devidamente documentados e provados com base em uma teoria sólida.”

Com o iminente fim do doutorado, Gisele já começa a traçar a nova rota do seu caminho acadêmico. A única certeza, por enquanto, é que ainda quer ser professora.

“Embora seja grande a vontade de, ao sair daqui, prestar concurso para me realizar de forma completa profissionalmente, sei da importância de um pós-doutorado para a carreira acadêmica. Tenho a grande oportunidade de fazer um pós-doc ainda este ano na França, mas ainda estou cuidando da burocracia. A princípio, o destino será esse, se tudo der certo”, revela.

Antes de partir para a Europa, Gisele estará no Congresso Internacional de Matemáticos (ICM) no Rio de Janeiro. O evento, a ser realizado pela primeira vez no Hemisfério Sul, é mais uma oportunidade para a menina de Guarani conhecer grandes pesquisadores, agora em pé de igualdade.

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