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09/10/2017

Corte na verba para pesquisa afasta Brasil de Prêmio Nobel

 

Reprodução do jornal O DIA

O orçamento para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações este ano era de R$ 5 bilhões. Valor que já era baixo e foi reduzido a R$ 2,8 bilhões (44% a menos) com os contingenciamentos anunciados pelo governo federal em março. Em valores corrigidos pela inflação, isso é menos do que um terço do que a pasta tinha em 2010 e menos da metade do de 2005. Considerando que o tamanho da comunidade científica mais do que dobrou no período, pode-se considerar que é o cobertor mais curto da história. O corte no orçamento é uma pá de cal nas ambições do país em ser um grande produtor de invenções tecnológicas.

Presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich explica a importância dos investimentos em pesquisa. “O sucesso da agricultura não é fruto de milagre, mas da ciência brasileira. Assim como também não foi por acaso que a Petrobras ganhou prêmios internacionais por sua tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas, ou que os aviões da Embraer ocupam espaços importantes nas frotas de vários países”, exemplifica.

Como efeito dos cortes, a principal agência de fomento à pesquisa do país, o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), teve seu orçamento afetado, colocando em risco o pagamento das bolsas de mais de 100 mil pesquisadores. A tesoura tirou R$ 572 milhões dos R$ 1,3 bilhão em 2017.

O relatório da Unesco ‘Science Report’ de 2015 alerta para o fato de que o declínio nos investimentos em ciência básica, sobretudo nas universidades, pode ter consequências negativas para as nações. “As próximas ondas de altas tecnologias devem emanar de disciplinas que incluem biologia molecular, biotecnologia e farmacêuticos, nanotecnologia, ciências dos materiais e química, em íntima sinergia com tecnologias da informação e da comunicação.”

“Minha preocupação é o que vai acontecer nos próximos anos, já que essas crises afetam na formação, na capacidade de atrair pessoas, desestimulando jovens a investir em carreiras. A quebra do ciclo na formação já está acontecendo”, alerta Fernando Rochinha, diretor de Tecnologia e Inovação da Coppe/UFRJ.

“O governo deveria entender que investimento em ciência não é um gasto, é um investimento”, ressalta Ana Maria Antunes de Campos, professora de Matemática e autora do livro ‘Discalculia: Superando as Dificuldades em Aprender Matemática’ (Wak).

Também falta foco. “O Brasil investe mais em preparar a população para o mercado de trabalho do que no preparo de pesquisadores para a produção cientifica. Para aumentar o investimento na área de pesquisa, é necessário dar condições às pessoas de chegarem à universidade, o que no país é restrito a uma classe que tem poder aquisitivo. Por isso a defasagem em comparação com os países ganhadores de nobel”, disse Eugênio Cunha, mestre em tecnologia da informação e comunicação.

Há três anos, uma exceção à regra: Artur Avila ganhou a Medalha Fields, considerada o ‘Nobel de Matemática’. Ele lapidou seu talento no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Horto. “O impacto dos cortes na área da ciência e tecnologia é grave. O corte deste ano no ministério foi repassado em diversos setores, em especial aos institutos de pesquisa, colocando em risco alguns deles. A minha preocupação é que isso se repita em 2018, colocando em perigo a base dos institutos. No caso do Impa, a dificuldade é enorme, as olimpíadas de matemática correm risco”, lamenta Marcelo Viana, diretor-geral do Impa.

Fuga de talento nos tirou láurea

O Brasil quase teve um Nobel. Peter Medawar, nascido em Petrópolis, naturalizou-se britânico, e em nome de Elizabeth II ganhou o de Medicina em 1960. A história de Medawar se repete até hoje: a fuga de talentos. “Pesquisadores realizam trabalhos em laboratórios fora do país para não perder os experimentos”, lamenta a neurocientista Marta Relvas. “Um país que não investe em pesquisas para a qualidade de vida dificilmente ganhará um Nobel.”

Rochinha, da Coppe, faz coro: “A fuga de cérebros é uma constante. Mas mais grave é a falta de atração de novos cérebros. Jovens, vendo a dificuldade de encontrar empregos, nem chegam a iniciar a formação. A crise não repercute somente no momento atual, ela se prolonga pelo futuro, não captando novos cérebros”.

O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações esclarece que os R$ 440 milhões descontingenciados serão destinados, prioritariamente, ao pagamento a bolsistas. “O MCTC atua junto aos Ministérios da Fazenda e do Planejamento pela recomposição orçamentária ainda em 2017. Trabalha também pelo cumprimento do orçamento de 2018, já que considera o papel da pesquisa científica, vital para o desenvolvimento de qualquer país.”

LISTA DE 2017

LITERATURA

O britânico de origem japonesa Kazuo Ishiguro (foto), “uma mistura de Jane Austen e Kafka com uma pitada de Proust”, de acordo com a Academia Sueca, foi laureado por seus romances nos quais narra o mundo das ilusões e a memória. Ishiguro “revelou em romances de grande força emocional o abismo sob nosso senso ilusório de conexão com o mundo”, afirmou a secretária Sara Danius.

MEDICINA

Foi atribuído a um trio de americanos por seus trabalhos sobre o relógio biológico do corpo, que explica a adaptação do corpo aos ciclos do dia e da noite, assim como os transtornos do sono. Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young foram premiados por suas “descobertas sobre os mecanismos moleculares que regulam o ritmo circadiano”, anunciou a Assembleia Nobel do Instituto Karolinska de Estocolmo.

FÍSICA

O Prêmio Nobel de Física foi dado a outro trio de americanos, por seus estudos que contribuíram para a detecção das ondas gravitacionais, alterações no espaço-tempo que poderiam oferecer informações valiosas sobre a origem do Universo. Um século depois de Albert Einstein enunciar os princípios destas ondas em sua teoria geral da relatividade, de 1915, os astrofísicos Rainer Weiss, Barry Barish e Kip Thorne voltaram a “sacudir o mundo”, segundo o secretário-geral da Academia de Ciências, Göran Hansson.

QUÍMICA

O suíço Jacques Dubochet, o americano Joachim Frank e o britânico Richard Henderson foram anunciados como os vencedores do Prêmio Nobel de Química pela microscopia crioeletrônica, um método revolucionário de observação das moléculas em 3D.”O prêmio este ano recompensa um refrescante método de produzir imagens de moléculas vivas congeladas em movimento”, anunciou Göran Hansson, secretário-geral da Academia Real de Ciências.

PAZ

A Campanha Internacional para Abolir as Armas Nucleares (Ican, em inglês) venceu o Prêmio Nobel da Paz, após uma década de esforços para proibir a bomba atômica, em um contexto de tensão com Coreia do Norte e Irã. Setenta e dois anos depois de as bombas atômicas americanas caírem sobre Hiroshima e Nagasaki, o Comitê do Nobel quis ressaltar os incansáveis esforços da Ican para livrar o mundo das armas nucleares. Com isso, também enviou mensagem às potências nucleares para que iniciem “negociações sérias” destinadas a eliminar o arsenal. “Vivemos em um mundo onde o risco de que se utilizem as armas nucleares é o mais alto que já existiu”, declarou a presidente do Comitê Norueguês do Nobel, Berit Reiss-Andersen.