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01/06/2020

Ao Globo, Viana fala sobre a matemática na pandemia

Foto: Guito Moreto/ Agência O Globo

Achatamento da curva de contaminação, incidência da taxa de contágio e a proporção de pacientes recuperados são expressões que se popularizaram em meio à pandemia do coronavírus. Para entender a evolução da doença, matemáticos entraram em campo para projetar cenários e a partir deles ajudar em medidas de contenção e planejamento. Em matéria publicada pelo Jornal O Globo neste domingo (31), o diretor-geral do IMPA, Marcelo Viana, fala sobre a importância da ciência, das críticas aos modelos matemáticos da Covid-19 e da pluralidade de caminhos que a área pode oferecer.

Um dos casos de maior repercussão sobre o papel de matemáticos durante a pandemia foi um modelo apresentado pelo Imperial College de Londres. A estimativa traçou que mais de 250 mil pessoas morreriam, caso o governo britânico continuasse adotando medidas baseadas na ideia imunidade coletiva. 

“Hoje esse estudo ainda recebe críticas porque o cenário previsto não aconteceu. Mas ele serve justamente para isso. O governo do Reino Unido levou o combate a sério e a catástrofe foi evitada”, ressaltou Viana. 

A epidemiologia matemática é uma ciência consolidada, como pontuou o diretor-adjunto do IMPA e colunista do Globo, Claudio Landim. A disciplina foi inaugurada depois da pandemia da gripe espanhola e divide a população em categorias para descobrir a velocidade de propagação do vírus. 

No Brasil, os modelos matemáticos recentes também chegaram a ser criticados pelo ex-ministro Nelson Teich. Mas Viana lembra que “esses modelos são baseados nos dados fornecidos e nos pressupostos”, portanto, são suscetíveis a mudanças para serem analisados. 

A reportagem também entrevistou o pesquisador do IMPA e da Universidade de Zurique, Artur Avila, vencedor da Medalha Fields em 2014. “Até pouco tempo atrás, era difícil convencer as pessoas de que era importante aprender a ler um gráfico. A ideia de achatar a curva foi difundida basicamente com todo mundo olhando para um gráfico. Tem um efeito educador”, garantiu Avila.

Mas apesar da relevância da ciência para desvendar outros tantos temas, a área vem sendo impactada com a redução de 42% pela procura de cursos de bacharelado, segundo dados do Censo da Educação Superior de 2018. Para Viana, o cenário poderia ser transformado, caso a educação básica da matemática fosse incrementada para além da parte teórica, que tende a afastar os alunos. 

 

Leia a reportagem na íntegra:

Em alta na pandemia, matemáticos encaram evasão e onda negacionista

Importante na definição de políticas contra o coronavírus, a ciência exata não escapou de críticas e vê interesse dos jovens diminuir

Acostumados à discrição, os matemáticos emergiram durante a pandemia da Covid-19 com projeções de contágio determinantes para estratégias que salvaram vidas. O prestígio da atuação, entretanto, virou alvo de negacionistas e ainda encara a queda do número de universitários na carreira e alta taxa de evasão alta nos cursos de bacharelado.

— A gente está acostumado a uma posição discreta. Nem muito elogiado, nem muito criticado. Não estamos acostumados a levar tanto sarrafo — conta Marcelo Viana, diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa).

Um caso claro da contribuição dos matemáticos na pandemia foi no Reino Unido. Até meados de março, o primeiro-ministro Boris Johnson defendia que a população desenvolveria uma imunidade coletiva ao passo que boa parte fosse contaminada. No entanto, um modelo matemático apresentado pelo Imperial College de Londres mostrou que, com aquela estratégia, mais de 250 mil pessoas iriam morrer, o que fez Johnson mudar de posição.

— Hoje esse estudo ainda recebe críticas porque o cenário previsto não aconteceu. Mas ele serve justamente para isso. O governo do Reino Unido levou o combate a sério e a catástrofe foi evitada — diz Viana.

A chamada “epidemiologia matemática” é uma ciência consolidada. De acordo com o matemático Claudio Landim, colunista do GLOBO, essa disciplina foi inaugurada logo após a pandemia da gripe espanhola (1918 e 1920). Ela divide a população entre suscetíveis, infectados e recuperados e, a partir daí, utiliza-se o conceito de “equações diferenciais” para descobrir a velocidade de propagação do vírus.

— Aqui no Brasil, o ex-ministro Nelson Teich também fez críticas aos modelos matemáticos, o que demonstra falta de informação. Esses modelos são baseados nos dados fornecidos e nos pressupostos. Se há mudanças, claro que as conclusões vão mudar — diz Marcelo Viana.

Formação acadêmica

Nem todo matemático é professor — as formações são diferentes e complementares. Para dar aula, é preciso fazer licenciatura. Para as outras atividades, bacharelado. Mas o curso vive momento difícil. Segundo dados do Censo da Educação Superior de 2018, o Brasil tinha 7.571 matrículas em bacharelado de Matemática, ante 10.808 de quatro anos antes (queda de 42%). A licenciatura tinha 96.367 alunos. A evasão também é alta. Ao longo de 2018, 4.448 universitários de bacharelado abandonaram as aulas.

— A formação na educação básica da matemática é fraca. Quando chega nesse ponto é tarde para corrigir as lacunas — diz Viana.

Segundo o diretor do Impa, pesquisas demonstram que crianças pequenas gostam da matemática e vão perdendo o interesse ao longo dos anos, quando ela vai deixando a vida real e se tornando mais teórica.

Mas nem só de epidemiologia e educação vive a matemática. Há uma infinidade de caminhos. Além da aplicada, que estuda problemas para desenvolver resultados práticos, há ainda a matemática pura, que se preocupa com questões da estrutura interna e da própria natureza da área.

Artur Avila, autor de pesquisas de matemática pura, vê o protagonismo alcançado pelos matemáticos na pandemia como uma lembrança da importância:

— Até pouco tempo atrás, era difícil convencer as pessoas de que era importante aprender a ler um gráfico. A ideia de achatar a curva foi difundida basicamente com todo mundo olhando para um gráfico. Tem um efeito educador, de que esse conhecimento pode nos ajudar a tomar boas decisões.