Da Marinha à matemática, Hallison Paz conclui doutorado
Do sonho de almirante da Marinha do Brasil a matemático, Hallison Paz dá mais um passo para se consolidar na carreira acadêmica, marcada por mudanças, sonhos e desafios. O estudante do IMPA e colaborador do Visgraf (Laboratório de Computação Gráfica do IMPA) defende a tese de doutorado em matemática aplicada na próxima segunda-feira (25). Sob orientação do pesquisador Luiz Velho, Hallison desenvolveu a pesquisa “Representação espectral de mídia neural em multiresolução”.
Natural do Recife (PE), Hallison Paz, 33 anos, é engenheiro de computação pelo IME (Instituto Militar de Engenharia) e começou a se aproximar da matemática na graduação. Antes disso, os planos eram outros. Hallison trocou as rotas marítimas pelos projetos de computação gráfica e interfaces virtuais.
Filho de marinheiro, Hallison fez o Ensino Médio no Colégio Naval, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. O objetivo sempre foi seguir a carreira do pai, visto como um exemplo. Ao todo, foram oito anos dedicados à vida militar, três anos como militar da Marinha e mais cinco como militar do Exército.
“Eu já tinha intenção de ser militar. Não por obrigação, mas meu pai realmente era uma inspiração para mim. Era o que eu tinha em termos de referência profissional. Desde muito pequeno, achava que seria oficial da Marinha, comandante da Marinha. Sempre pensei alto.”
A virada de chave para assumir novos sonhos chegou devagar. A decisão de mudança veio acompanhada de uma aposta ousada: transição de carreira durante o Colégio Naval. Para isso, Hallison teve de driblar o medo de deixar um projeto profissional que já se consolidava e os relatos frustrados de colegas que não conseguiram ingressar em outros cursos durante o Colégio Naval.
Hallison foi a exceção. O jovem foi aprovado no IME (Instituto Militar de Engenharia) enquanto cursava o Colégio Naval. Ele se formou engenheiro militar e deixou a carreira logo após a conclusão do curso, no posto de 1º Tenente. A relação com o IMPA também começou neste momento, com uma iniciação científica no Visgraf após o sucesso ao apresentar um trabalho acadêmico no IME.
“Fiz um trabalho no segundo ano que era um simulador de um disco voador que se movia de forma autônoma no espaço. Pelo meu interesse por jogos, queria trabalhar com coisas com apelo visual. Matematicamente é uma coisa mais sofisticada, um simulador que resolve um problema de otimização combinatória. Quando me aproximei do IMPA, me aproximei da matemática”, contou Paz.
Depois da iniciação científica, veio o mestrado no instituto e agora o doutorado. Nesta pesquisa, Paz trabalhou na interface da inteligência artificial com a computação gráfica. O destaque do trabalho vai para o uso de redes neurais nas representações de mídia, considerando que as redes neurais oferecem uma representação contínua que aproxima modelos matemáticos de sinais à implementação computacional.
Leia mais: No Valor, Diniz cita matemática como forma de sobrevivência
Na Folha, Viana analisa o problema da braquistócrona
Riscos e inovação por trás da personificação da IA
De forma geral, a ideia da pesquisa foi investigar a aplicação da teoria de multirresolução a redes neurais baseadas em coordenadas para abordar desafios na representação de mídia neural, incluindo zoom, antialiasing e transmissão eficiente de dados.
“Na computação gráfica, temos o interesse em representar e gerar objetos e cenas virtuais. E é isso que compõe, por exemplo, as animações, o cinema, os games que conhecemos. O que pareceu muito interessante foi usar as redes neurais como uma forma de representar objetos de mídia, que podem ser imagens, áudios, vídeos, modelos 3D”, explicou Paz.
Fruto desse trabalho é a MR-Net, uma família de redes neurais para codificar objetos de mídia em múltiplas escalas. A pesquisa demonstrou o potencial da MR-Net na codificação de imagens, anti-aliasing, mapeamento de texturas e síntese de materiais sem costuras. Um dos resultados positivos foi que “em tarefas de reconstrução de imagens, a MR-Net alcança valores de Relação Sinal-Ruído de Pico (PSNR) comparáveis ou superiores a modelos anteriores de última geração, usando menos parâmetros”, apontou o doutorando.
Uma ideia é substituir os modelos das representações tradicionais — nos formatos JPEG e PNG — para aqueles baseados em rede neural. “Pela forma como estamos trabalhando, olhando o cenário de mídia, redes neurais estão entrando em tudo. Já existem, inclusive, hardwares especializados em rodar esses modelos de uma maneira muito rápida. Não só treinar, mas principalmente rodar. Pensamos em usar as redes neurais como uma representação para, no futuro, chegar a formatos diferentes. Assim como tem o JPEG, PNG hoje, pode ter um formato baseado em uma rede neural”, concluiu.
De família humilde, a pesquisa de doutorado é enxergada como mais uma conquista alcançada com muito esforço na trajetória do jovem. Além dessa, Hallison já acumula oportunidades variadas, como o estágio na Meta. Ele é também fundador do bem-sucedido canal do Youtube “Programação Dinâmica”, com mais de 200 mil inscritos, onde produz conteúdo sobre tecnologia, com foco em programação, ciência de dados, machine learning e inteligência artificial.
Agora, Hallison está calculando novas rotas para o pós-defesa, que incluem uma viagem para o Japão para participar da Siggraph Asia, a conferência mais importante da computação gráfica. Atualmente, existem duas edições por ano, uma na América do Norte, onde Hallison apresentou um trabalho em julho de 2024 e outra na Ásia. Além disso, o jovem garante seguir alimentando sonhos profissionais e a paixão pelo conhecimento. “Se eu pudesse ter todo o conhecimento do mundo de forma organizada, faria isso”.
Leia também: IMPA e Imazon desenvolvem IA que identifica desmatamento
‘Sou fruto de programas como a OBMEP’, conta Givanildo Lima