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Folha: ‘Elena Cornaro Piscopia, primeira doutora da história’

 Reprodução da Coluna de Marcelo Viana na Folha de São Paulo. 

Visitando Veneza nos anos 1990, descobri “A History of Venice”, do historiador inglês John Julius Norwich. Li o volume de 700 páginas de uma assentada, e até hoje releio com frequência. Ele me tornou grande fã de Norwich (li praticamente tudo que ele publicou) e da República de Veneza, o estado mais singular que a Europa já produziu.

Mercadores e comerciantes acima de tudo, os venezianos eram ousados, calculistas, impiedosos, por vezes desprezíveis (a manipulação da 4ª Cruzada para que atacasse Bizâncio vive nos anais da ignomínia), quase sempre corajosos (como quando escolheram permanecer na mesma Bizâncio para defendê-la do ataque final dos otomanos em 1453).

Entre suas maiores qualidades, um profundo amor pela arte e cultura, que fez de sua capital uma das joias da Europa até os nossos dias. Ao longo dos 11 séculos da República (697–1797), eles destruíram um bocado e roubaram mais: os cavalos que ornam a fachada da catedral de S. Marcos vieram do hipódromo de… Bizâncio, e até os restos mortais do apóstolo foram sequestrados de Alexandria no século 9º. Mas também construíram muito, deixando um legado único.

E eu acabo de descobrir uma gema nesse legado: uma das primeiras mulheres a receber um grau universitário, e a primeira no mundo a alcançar o título de doutora (PhD).

Elena Cornaro Piscopia (1646–1684) nasceu na aristocracia: seu pai, Giambattista, ascendeu ao cargo de tesoureiro da catedral de São Marcos, o segundo mais importante da República. Elena foi criança prodígio e recebeu educação esmerada. Aos sete anos era fluente em latim, grego, espanhol e francês. A sua tradução dos “Colóquios de Cristo” do espanhol para o italiano alcançou grande sucesso, com cinco edições entre 1669 e 1672.

Elena também se aprofundou na música: dominava o cravo, o clavicórdio, a harpa e o violino, e ainda compunha. Ao final da adolescência, interessou-se pela física, astronomia e linguística. Segundo os biógrafos, recusou todas as propostas de casamento. Ao final da vida usaria o hábito de monja beneditina, mesmo sem proferir votos religiosos.

Fez parte de várias academias de conhecimento, inclusive presidiu a academia veneziana (“Accademia dei Pacifici”) a partir de 1670, o que dá a medida do seu prestígio. E o livro de geometria que Carlo Rinaldini (1615–1698), catedrático de filosofia na universidade de Pádua, publicou em 1668 está dedicado à jovem Elena. Foi aconselhada por Rinaldini que Elena pediu à universidade o direito de se candidatar ao título de doutora em teologia. O pedido foi vetado pelo bispo de Pádua, com base no fato de que ela era mulher, mas o prelado acabou acedendo a que ela pudesse ser doutora em filosofia.

Leia na íntegra no site da Folha de São Paulo. 

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