Na Folha, Viana fala sobre contradições na China
Reprodução da coluna de Marcelo Viana na Folha de S. Paulo.
Passei três semanas na China, visitando universidades para proferir palestras e firmar acordos de cooperação científica. Considero que estreitar a cooperação com a China é uma prioridade estratégica para a nossa ciência, um ponto de vista compartilhado pelo governo brasileiro.
Apesar da gentil hospitalidade dos colegas chineses, a adaptação à vida na China pode ser complicada para um visitante ocidental. Compreensivelmente ressabiado pelo histórico de “presentes envenenados”, como o vício do ópio que as potências europeias promoveram ativamente na China no século 19, o governo chinês vê com suspeita quaisquer ferramentas digitais que não controla e que, por isso, poderiam se tornar vulnerabilidades para o país. Aplicativos populares no ocidente, como o WhatsApp e o Google, estão banidos, e o uso das principais bandeiras ocidentais de cartões de crédito também está severamente restringido no país.
No seu lugar, todo mundo na China usa o WeChat, uma combinação de WhatsApp, Pix, Google Pay, Gov.br e muito mais, que tem mais de um bilhão de usuários. Os críticos apontam, corretamente, que o WeChat localiza o seu usuário, permitindo ao governo chinês saber em tempo real onde se encontra cada um de seus cidadãos. Os defensores observam que o mesmo vale para a maioria dos aplicativos de celular e que, pelo menos, nenhum chinês corre o risco de perder seu cartão de crédito por aplicação da Lei Magnitsky…
A mim, o que mais me interessa na China são suas universidades e tudo que podem ensinar às nossas. Cercados, com controle de entrada/saída, e arborizados, os campi universitários que visitei são locais seguros e aprazíveis para trabalhar ou passear a qualquer hora do dia ou da noite. Os alunos e muitos professores residem no local, o que também atrai serviços básicos como restaurantes, supermercados e lavanderias, fazendo de cada campus uma genuína “cidade universitária”. Centenas de bicicletas de uso gratuito para alunos, professores e funcionários facilitam o deslocamento dentro e fora do campus. E a administração não vê problema em investir em “luxos” como paisagismo, prédios bonitos e hotéis de bom nível para hospedar visitantes.
O processo seletivo para as melhores universidades é muito competitivo e, tanto quanto entendi, está baseado apenas no desempenho acadêmico. Ainda assim, e mesmo cobrando anuidade (algumas centenas de dólares), as universidades chinesas são inclusivas como poucas instituições no Brasil podem ser. A oferta de moradia e alimentação de qualidade, a custo reduzido, garante que nem a condição socioeconômica nem a origem geográfica sejam obstáculos a que qualquer estudante talentoso ingresse no curso desejado. Até porque os estudantes de baixa renda recebem auxílios adicionais, na forma de bolsa de estudo ou de empréstimo universitário sem juros.