Da colheita à Geometria: Crislaine Kuster defende tese nesta quinta

A doutoranda do IMPA Crislaine Kuster começou a aprender matemática à moda antiga. Em um vilarejo rural a 14 km de Domingos Martins (ES), Crislaine viu nascer as primeiras sementes do amor pela matemática, plantadas durante as aulas práticas oferecidas por uma professora do Ensino Fundamental. O aprendizado da disciplina acontecia ao ar livre a partir de cálculos práticos do dia a dia.
A paixão floresceu. Filha de agricultores, Crislaine trocou as atividades de colheita na cidade natal pela Geometria Algébrica no Rio de Janeiro. Nesta quinta-feira (12), ela encerra uma jornada de quatro anos no IMPA e defende a tese de doutorado “Folheações em variedades homogêneas”. O trabalho contou com a orientação da pesquisadora do Instituto Carolina Araujo. A defesa pode ser acompanhada pelo canal do IMPA no Youtube.
Aluna da Escola Pública Eugênio Pinto Santana, Crislaine teve o interesse pela matemática condecorado por três medalhas de bronze que conquistou na OBMEP. As honrarias tiveram um significado ainda maior na vida de uma jovem que se dividia entre a escola e a rotina no campo. “Na época da escola, não pensava muito em matemática. Na minha rotina, geralmente eu ia para a escola e depois voltava pra ajudar os meus pais. Colhia café e banana. Trabalhava na colheita com eles”.
A trajetória acadêmica começou a mudar com o ingresso no Programa de Iniciação Científica Jr. (PIC. Jr), do qual participou por três anos. O próximo passo foi a participação no Encontro do Hotel de Hilbert, em 2014.
“Foi a primeira vez que andei de avião. Foi a primeira vez de muitas coisas. Foi um encontro muito divertido, apesar de que, naquela época, eu não via matemática como profissão. Estava me divertindo ali, aprendendo coisas que eu realmente gostava. A OBMEP oferecia um mundo e conteúdos que não via em sala de aula. Isso atraiu muito a minha atenção”, explicou a doutoranda.
A série de atividades envolvendo a matemática levou Crislaine à graduação na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), e também ao mestrado em Álgebra Pura também na instituição, com bolsa do Programa de Iniciação Científica e Mestrado (PICME).
Em 2019, Crislaine teve a oportunidade de conhecer o IMPA através do 32º Colóquio Brasileiro de Matemática. Daí em diante, ela se tornou aluna assídua do tradicional Programa de Verão do instituto, e, posteriormente, aplicou para o doutorado. “O curso de verão foi uma época boa, era bem divertido, uma coisa bem nova”.
Assim como no mestrado na UFES, Crislaine chegou no IMPA para trabalhar com Álgebra Pura. O percurso mudou quando a doutoranda se apaixonou pela Geometria Algébrica, área que hoje ela atua. “Consegui passar em outros lugares, mas, na época, eu fiquei muito feliz em ser aprovada no IMPA. Eu já tinha visto e ouvido falar da minha orientadora, a Carolina Araújo, então, eu estava diante de várias referências que eu pensava ‘nossa, eu quero estar lá um dia’”.
Na tese, Crislaine trabalha com folheações holomorfas em variedades algébricas. A ideia é estudar folheações em variedades homogêneas — que são aquelas que admitem a ação de um grupo de Lie.
“A folheação é uma definição da sua variedade em subvariedades que, nas intersecções dessas subvariedades, satisfazem uma certa compatibilidade. A partir dessa discussão, tentamos estudar quais são essas propriedades, como é feito essa discussão. Também buscamos entender se é possível extrair propriedades da variedade através do estudo dessas folheações na variedade e por assim por diante”, explicou a doutoranda.
Crislaine destaca que sua área de trabalho permite interseção com muitas áreas da matemática. “Estudar as folheações em variedades homogêneas é muito interessante por conta dessa mistura da teoria de folheações com a teoria de variedades homogêneas. Acho interessante que estou em uma intersecção de várias áreas. São várias técnicas que você tem para estudar o problema, e diferentes técnicas da mesma área de geometria, mas não tão próximas. Quando se juntam, para mim, ficam muito bonitas.”
O próximo passo da carreira será um pós-doutorado de três anos, em Pequim, na China, na Universidade de Tsinghua, e na Imperial College de Londres, na Inglaterra. Na oportunidade, Crislaine vai trabalhar o com o medalhista Fields Caucher Birkar, que foi condecorado no ICM 2018, sediado no IMPA.
“Nunca imaginei que chegaria tão longe. Acho que uma das coisas que me deixam muito feliz em fazer pesquisa em matemática é essa troca de experiências. Temos contato com trabalhos de pessoas que estão ao redor do mundo todo. Mesmo aqui no IMPA, por exemplo, tem gente de todo lugar e é uma troca de experiência muito legal’, contou Crislaine.
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