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21/09/2018

Trimedalhista do Tocantins quer futuro na Matemática

 

Na premiação da OBMEP, Caio (blusa branca, sem óculos) ao lado da mascote Aramat

Karine Rodrigues

A vida está começando para o tocantinense Caio Cardoso Carneiro, 17, mas quaisquer que sejam as surpresas futuras, 2017 há de figurar como um dos anos mais inesquecíveis. De uma só vez, ele vivenciou três episódios inéditos e marcantes: recebeu seu primeiro ouro na OBMEP; conheceu o mar; e saiu de sua cidade natal para o Rio. Isso graças à conquista da medalha mais disputada na competição. O ouro garante convite do IMPA para participar da cerimônia anual de premiação na capital fluminense.

“Foi inesquecível. Nunca tinha viajado de avião e nem visto o mar de perto. Quando desci do ônibus, na chegada ao hotel, vi até onde a matemática havia me levado e pensei: isso há de ser só começo”, recorda o estudante.

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Caio foi mesmo longe. Física e metaforicamente. Do Rio até Jardim Aureny III, em Palmas (TO), bairro onde ele cresceu e vive até hoje, são cerca de dois mil quilômetros. Além disso, hoje faz ensino médio no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins (IFTO), referência na área de Exatas, e mira num futuro profissional que inclua a Matemática.

Caio com a mãe, Elisângela, e a irmã, Gabriela: apoio da família

Sobre uma de suas disciplinas prediletas, a primeira recordação tem como cenário a casa humilde, de paredes nuas, onde vive com os pais, Elisângela e Valdemir, e a irmã mais nova, Gabriela. “A lembrança que tenho é de meu pai me ensinando a tabuada de multiplicação quando eu era pequeno.”

Anos depois, veio a primeira participação na OBMEP, em 2013. Estudante da Escola Municipal de Tempo Integral Eurídice Ferreira de Mello, Caio achou a prova muito difícil e duvidou ser capaz de conquistar premiação. Acabou ganhando uma menção honrosa e uma curiosidade adicional pela Matemática. “Foi surgindo uma vontade de aprender sempre mais.”

Em casa, a conquista de Caio encheu de orgulho Valdemir – que retomou os estudos já homem feito e se tornou agrimensor – e Elisângela. A auxiliar de serviços gerais passou a vislumbrar outros caminhos para Caio, diversos do que ela seguiu, ao abandonar os livros ao concluir o Ensino Médio e focar no trabalho. Acredita que dedicação dos filhos à escola há de mudar o rumo da família Cardoso Carneiro, que, até o ano passado, era beneficiária do Bolsa Família. “Os dois são responsáveis e gostam de estudar. Isso é uma benção.”

Em 2014, Caio conquistou sua primeira medalha de bronze na OBMEP. O Programa de Iniciação Científica (PIC) destinado aos medalhistas da olimpíada, com aulas presenciais e virtuais, ampliaram ainda mais os horizontes do adolescente.

“Foi maravilhoso ter aulas na Universidade Federal do Tocantins, uma grande experiência para mim. Foi uma das coisas que mais me incentivou a investir na Matemática para a minha vida. A OBMEP me ajudou a descobrir um talento que não sabia que tinha. Antes dela, pensava que caminho profissional era algo que as pessoas deveriam pensar só na hora de fazer a inscrição para o vestibular, mas com a OBMEP já descobri o que quero para o meu futuro. A OBMEP me deu um norte.”

Na época, além do PIC, Caio estava atento às iniciativas realizadas dentro da escola para reforçar o estudo em Matemática. Por isso, logo aderiu ao o projeto de um professor recém-chegado. “Fiz uma apostila com questões anteriores da OBMEP e comecei a trabalhar isso com um grupo de alunos”, recorda Agostinho Levino Gonçalves, que há oito anos leciona na Eurídice Ferreira de Mello.

“Quando entrei na escola, o Caio já estava lá. Aluno excelente. Educado e muito dedicado. Vai em frente apesar das dificuldades”, diz Agostinho, contando que em sala de aula gosta apresentar conteúdos matemáticos de forma lúdica e associados a outras disciplinas. Em um dos períodos letivos, passou conteúdo relacionado à estatística apresentando textos com temas polêmicos, como eutanásia, aborto e violência contra o idoso.

Em 2017, quando veio ao Rio receber a medalha de ouro, Caio viu o mar pela primeira vez

Agora no Ensino Médio, com o ritmo ainda mais puxado, Caio precisa de um esforço adicional para não descuidar dos estudos e manter em sua vida espaço para o esporte e a arte. Como a escola deixou de ser no mesmo bairro onde mora, levanta com o dia ainda escuro, pega o ônibus e, cerca de 40 minutos depois, inicia a jornada diária: aula de 7h30 às 17h.

Duas vezes por semana, o adolescente volta para casa bem tarde, por volta das 21h, por causa dos treinos de handebol. E quer retornar para a música. “Toco clarinete e saxofone, mas há um tempo parei porque tocava na banda da minha antiga escola. Estou planejando comprar um dos dois instrumentos para poder voltar”, revela.

Com uma menção honrosa, dois bronzes e um ouro, Caio se diz capaz até de adiantar algo sobre o futuro. “Uma coisa que já tenho certeza é de que vou trabalhar com algo que tenha Matemática, algo por qual tenho respeito. Quero a Matemática para o meu futuro.”

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