Navegar

17/05/2018

Noite de matemática e cerveja enche bar no Jardim Botânico

Durante 1h30, Marcelo Viana e Ricardo Rosa bateram um papo com o público

Karine Rodrigues

Quando o relógio aponta 19h30 é o momento de fechar as portas do Jarbô, onde, diariamente, é possível saborear tira-gostos, cervejas, um café alentado ou mesmo uma refeição completa. Mas nesta quarta-feira (16), curiosamente, o lugar começou a encher justamente no horário usual de encerrado do expediente. Situado dentro do Jardim Botânico, quem estava ali, em horário tão atípico, fora atraído exclusivamente por duas razões: matemática e cerveja.

Leia também: IMPA e SBM lançam prêmio nacional de Jornalismo
‘A força gravitacional não pode ser ignorada’, diz Atiyah

“Estamos, eu e Ricardo, lisonjeados por ver a casa cheia. Tenho certeza de que foi o charme e o encanto da matemática que fez vocês virem até aqui. Tem gente que está sabotando essa minha convicção e fala que é por causa da cerveja, mas não vou acreditar nisso”, brincou Marcelo Viana, diretor-geral do IMPA.

Junto com Ricardo Rosa, professor titular do Instituto de Matemática da UFRJ, ele dava início ao bate-papo “Dois chopes e senta que lá vem história: como a matemática está por trás da ciência e da arte da boa cerveja”, realizado após convite da organização do Pint of Science, evento mundial de divulgação científica que mobilizou 21 países com programação diversificada nos dias 14, 15 e 16.

O tom jocoso da afirmação de Marcelo é compreensível, considerando que, no Brasil, a matemática ainda é vista de maneira enviesada. Embora não seja prerrogativa nacional, o fato é que o tema desperta um olhar desconfiado, que, como se percebeu durante a conversa, pode facilmente se tornar interessado quando o assunto é vinculado a temas e situações que fazem parte do dia a dia.

Na última noite do Pint of Science, público encheu o Jarbô

Ao contrário do que muitos imaginam, a matemática está presente no cotidiano, lembrou Marcelo, observando que embora nem sempre existam aplicações ou mesmo aplicações imediatas para as pesquisas feitas por quem é da área, elas são fundamentais para a nossa vida.

Para ilustrar isso, contou uma história relacionada ao outro tema de interesse da noite, sobre a criação de uma área chamada inferência estatística. Ocorreu no fim do século 19, na Irlanda, quando a Guiness, responsável pela cerveja de mesmo nome, estava às voltas com a seguinte questão: como aumentar a produção sem prejudicar a qualidade?

A empresa contratara um recém-egresso da Universidade de Oxford, Willliam Gosset (1837-1937) e decidiu que o jovem, por ter estudado matemática na graduação, deveria ter “menos medo” do assunto do que os demais funcionários. Escolhido para chefiar a equipe de trabalho, dedicou-se e descobriu como fazer uma amostragem ser mais confiável, criando uma teoria matemática passível de ser usada em muitas situações. “Um detalhe fundamental em matemática é que ela tem a capacidade de pegar dois problemas distintos e tratar da mesma forma”, observou Marcelo, acrescentando que o conhecimento de Gosset foi depois amplamente aplicado, como nas pesquisas eleitorais.

O público interagiu ativamente. Quis saber, por exemplo, sobre caminhos para tornar o conhecimento matemático produzido nas universidades e institutos de pesquisa mais próximos das empresas e, por sua vez, da aplicação. E como o papo estava sendo transmitido ao vivo no Facebook do IMPA, perguntas surgiram também dos internautas, que estavam curiosos sobre a chance do Brasil ganhar a próxima medalha Fields, considerada o Nobel da Matemática, e maneiras para ampliar a participação feminina entre premiados da OBMEP, competição anual realizada pelo IMPA. Artur Avila, aliás, o brasileiro que ganhou a Fields em 2014, estava em uma das mesas, atento à conversa.

Marcelo Viana, diretor-geral do IMPA, e Artur Avila, medalha Fields 2014

Microbiologista da UFRJ e organizador do Pint of Science no Rio, Leandro Lobo confessou sofrer de ansiedade matemática, tema também abordado por Marcelo, e perguntou sofre formas de tonar a disciplina menos temida. Como cervejeiro, também quis saber sobre softwares usados para cálculos no processo de produção artesanal.

Diante das questões, Marcelo se revezava com Ricardo, que, embora cervejeiro premiado, confessou que a matemática é mesmo a sua maior paixão e foi muito útil na hora de produzir vários rótulos já conhecidos amplamente. Para ele, divulgar matemática por meio da cerveja é uma ótima ideia.  “Um dos motivos de ter me encantado com a produção de cerveja foi ver essa relação”, disse.

Coordenador do Pint of Science no Rio, Leandro Lobo destacou a importância do evento

O público ficou curioso sobre os meios de inserir a matemática na hora de botar a mão na massa. Segundo Ricardo, equações diferenciais ordinárias e equações diferenciais parciais aparecem tanto nas reações químicas como no movimento do fluido que está em fermentação durante a preparação da cerveja. Sem falar na matemática presente no trabalho dos engenheiros que desenvolvem novos tipos de fermentador.

“Conceitos matemáticos foram feitos puramente pela diversão dos matemáticos e, eventualmente, décadas depois, viram coisas práticas”, destacou Ricardo, citando o caso da produção da cerveja e da criptografia.

Pela interação do público durante o bate-papo, que durou cerca de 1h30, tanto a cerveja, quanto a matemática, atraíram a atenção de quem foi ao Jarbô. “Uma parte da nossa motivação aqui é contribuir um pouquinho para aproximar mais a matemática da sociedade”, disse Marcelo no início da noite. Diante da participação com perguntas, ao vivo e pelo Facebook, e dos aplausos ao fim da conversa, o objetivo foi alcançado. Um brinde!

Leia também: Manfredo do Carmo foi o professor de todos os geômetras
Aberto credenciamento de imprensa para ICM 2018