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03/07/2018

A trajetória de beneficiários do Bolsa Família na OBMEP

A Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) revela talentos das ciências exatas nas milhares de escolas estaduais e municipais do país. Nas últimas sete edições da Olimpíada, os beneficiários do Programa Bolsa Família conquistaram 1.288 medalhas. Intitulado “Talentos escondidos: os beneficiários do Bolsa Família medalhistas da Olimpíada de Matemática”, o artigo abaixo – que integra o Caderno de Estudos 30 – Desenvolvimento Social em Debate, publicação da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) – apresenta a trajetória dos beneficiários do programa na OBMEP e, a partir de entrevistas com alguns deles, revela perspectivas distintas sobre o futuro desses jovens.

 

O talento na matemática levou o goiano Luiz Vasconcelos a visitar Nova York e a se mudar para o Rio para se preparar para as provas do ITA e do IME.Crédito: Arquivo Pessoal

Introdução

Desde a primeira edição, em 2005, a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP)  1 premia estudantes do 6º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio de escolas municipais e estaduais com melhor desempenho em matemática. A OBMEP é uma iniciativa do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), com apoio da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) e com recursos dos Ministérios da Educação (MEC) e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). A Olimpíada é realizada em 99% dos municípios brasileiros e, a cada edição, recebe cerca de 18 milhões de inscrições de alunos de 47 mil escolas  2 .

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A OBMEP tem como objetivos principais:

1. estimular e promover o estudo da matemática;
2. contribuir para a melhoria da qualidade da educação básica;
3. identificar jovens talentos e incentivar o ingresso em cursos universitários nas áreas científicas e tecnológicas;
4. incentivar o aperfeiçoamento dos professores das escolas públicas;
5. contribuir para a integração das escolas brasileiras com as universidades públicas, os institutos de pesquisa e com as sociedades científicas; e
6. promover a inclusão social por meio da difusão do conhecimento.

Diferentemente da Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM)  3 , que existe há mais de 30 anos e requer treinamento aprofundado na disciplina, a OBMEP é uma iniciativa mais recente, que busca identificar talentos naturais nas escolas públicas por meio de desafios de raciocínio lógico.

“A OBM sempre foi focada nas olimpíadas internacionais, então os exercícios propostos são de treinamento profundo. Mesmo um aluno com talento extraordinário para matemática tem que treinar para ter uma boa participação na OBM”, explica Claudio Landim, diretor adjunto do Impa.

Por ser centrada em conhecimentos amplos em matemática e lógica, a OBMEP passou a substituir, desde a edição de 2017, as duas primeiras fases classificatórias da OBM. A participação de alunos de escolas públicas na OBM cresceu seis vezes no ano passado, totalizando 509 estudantes somente na última edição. Com isso, a presença dos alunos das escolas públicas na OBM tem se ampliado, inclusive com a possibilidade de representar o Brasil nas competições internacionais de matemática.

A OBMEP e o acesso a oportunidades

Além de facilitar o acesso de jovens de escolas públicas à OBM, a OBMEP abre portas para uma série de oportunidades, como programas de iniciação científica, bolsas de estudo e conteúdos de matemática. A mais abrangente delas é o Programa de Iniciação Científica Jr. (PIC). Todos os anos, o PIC oferece aos medalhistas da OBMEP o acesso a aulas de matemática avançada por um ano em universidades federais do país, além de uma bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no valor de R$ 100.

“O PIC é a forma de formarmos esses talentos. É importante que os jovens tenham contato com os matemáticos, que eles sejam levados para a universidade e sintam-se estimulados a desenvolverem seus talentos particulares e reconhecidos nesse esforço”, avalia Landim.

Ao longo de suas edições, o PIC já encaminhou 47 mil alunos da rede pública de ensino a aulas de matemática com professores universitários. Até 2014, o programa era 100% presencial e, além da bolsa de R$ 100, oferecia também ajuda de custo para deslocamento dos medalhistas e seus respectivos responsáveis legais às universidades, além de alojamento e alimentação durante os cursos.

Porém, desde 2015, após um corte no orçamento do Impa que impactou diretamente a ajuda de custo de deslocamento, o PIC passou a oferecer aulas virtuais como alternativa aos alunos que residem longe das universidades. Uma segunda opção foi lançada em 2016 para atender esses estudantes: o OBMEP na Escola, programa de formação de professores para dar aulas presenciais a turmas preparatórias para as olimpíadas. Atualmente, 900 professores participam do programa OBMEP na Escola. Enquanto o PIC presencial atende 75% dos medalhistas, o PIC virtual é utilizado por apenas 25%.

“O PIC tem um impacto social extraordinário; sabemos que o aprendizado da matemática, se não for bem feito nos anos iniciais, dificilmente é corrigido. Mas esses programas, mesmo sendo baratos, só têm sido possíveis pelo apoio da iniciativa privada. É uma pena que o poder público não estimule mais. A OBMEP quer estender a estrutura, mas não tem orçamento”, lamenta Landim.

Como funciona

A OBMEP é composta por duas fases: a primeira é uma prova de múltipla escolha para todos os inscritos (cerca de 18 milhões de estudantes), seguida de uma prova discursiva para os 5% dos candidatos com melhor nota na primeira etapa. De acordo com o desempenho na segunda prova, os jovens recebem medalhas de ouro, prata e bronze ou menção honrosa.

As provas são elaboradas por um comitê, de aproximadamente 15 professores, que seleciona 20 perguntas de múltipla escolha para compor a primeira fase e seis perguntas discursivas para a segunda fase. O critério de seleção das perguntas é, basicamente, focado em escolher situações concretas, que envolvam raciocínio matemático na solução de problemas.

Figura 1 – Exemplos de questões da prova da OBMEP

Fonte: Prova da 13ª OBMEP, realizada em 2017

Segundo Claudio Landim, as questões da prova ganham complexidade gradualmente – a prova começa com questões mais simples e finaliza com as mais complexas (Figura 1). “O aluno não precisa de conhecimento profundo de matemática para conseguir resolver os problemas, pois a prova pede mais lógica, raciocínio, criatividade… essas características permitem detectar alunos com talentos”, explica.

Bolsa Família e a OBMEP Em 2017, a Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI) do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) realizou alguns cruzamentos exploratórios de dados para identificar beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF) entre os medalhistas da OBMEP, iniciando com isso uma interlocução com o Impa.

Os resultados dos batimentos realizados pela SAGI surpreenderam tanto o MDS quanto o Impa: foram identificados 2.717 medalhistas e menções honrosas cujas famílias são de baixa renda e estão inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único). Destes, 999 são beneficiários do PBF. Há medalhistas em todos os estados brasileiros.

Conforme a Tabela 1, nas últimas sete edições da OBMEP, os beneficiários do PBF conquistaram 1.288 medalhas – 93 de ouro, 234 de prata e 961 de bronze – e 465 menções honrosas. Há ainda sete jovens com deficiência, dois indígenas e um quilombola entre os medalhistas.

Figura 2 – Frequência de medalhas da OBMEP conquistadas por beneficiários do PBF por região 

Fonte: IMPA, Elaboração SAGI/MDS

Um  terço do grupo de medalhistas é formado por meninas, proporção considerada baixa. O Impa já pontua essa questão como um desafio para as próximas OBMEP, assim como a premiação de mais estudantes negros.

Casos de sucesso

Para além dos números, as histórias de meninos e meninas surpreendem. A rotina do goiano Luiz Vasconcelos Júnior, 17 anos, natural da pequena cidade de São Luís de Montes Belos (GO), mudou completamente após ele conseguir a sexta medalha na OBMEP e a segunda de ouro na Olimpíada, além de ter ganho uma menção honrosa na OBM.

Aos 17 anos, Luiz já exibe um currículo invejável:
• seis medalhas pela OBMEP;
• menção honrosa na OBM e na Olimpíada Brasileira de Física (OBF);
• ouro, bronze e menção honrosa na Olimpíada Brasileira de Geografia e na Olimpíada de Matemática do Estado de Goiás (OMEG);
• ouro e bronze na Olimpíada Brasileira de Física das Escolas Públicas (OBFEP);
• ouro e prata na olimpíada Canguru de Matemática.

O estudante do 3º ano do ensino médio foi convidado a estudar em uma escola particular do Rio de Janeiro, conhecida por preparar jovens para as provas do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e do Instituto Militar de Engenharia (IME). Desde fevereiro deste ano, Luiz mora no alojamento da escola com todas as despesas básicas cobertas pela bolsa que recebe (mensalidade, transporte, alimentação e alojamento).

“Eles [o colégio] me convidaram com base nas medalhas que ganhei e me chamaram para vir no ano passado, mas eu era muito novo. Então decidimos deixar para este ano”, explica o estudante. “O Luiz sonha alto, é curioso. Eu agradeço muito a Deus pela oportunidade. Foi muito difícil para mim; passava mal quando pensava que ele iria para outro estado. Mas aí eu acreditei, confiei que meu Deus cuida dele aqui e cuida dele lá”, desabafa Maria Ivone, mãe de Luiz.

Para morar na capital fluminense, Luiz deixou o pai, a mãe e o irmão mais novo no interior de Goiás. Em casa, a situação financeira é frágil: os pais estão desempregados e a renda da família vem da venda de salgados, dos bicos de pedreiro do pai e do benefício do PBF, enquanto o irmão mais novo trabalha como jovem aprendiz em um programa do governo.

Para realizar o sonho de estudar Engenharia Aeronáutica num dos institutos mais respeitados do país, Luiz terá de encarar o desafio de passar em provas difíceis e concorridas. Por isso, o jovem começou a estudar 13 horas todos os dias da semana, apenas variando um pouco o ambiente de estudo, entre o alojamento e a sala de aula. “A gente estuda em tempo integral, então tenho pouco tempo para sair. Estou longe de casa, em uma cidade grande, tem toda aquela experiência de andar por ruas movimentadas, o que é bem diferente da minha cidade”, compara.

Além da agenda apertada, Luiz cursa o PIC on-line com professores da Universidade Federal de Goiás (UFG), graças à medalha de ouro que recebeu na última edição da olimpíada. E as conquistas não param por aí: Luiz também foi selecionado pelo programa Goiás sem Fronteiras para passar 30 dias estudando inglês nos Estados Unidos em 2017 – sendo a primeira pessoa da sua casa a viajar para o exterior –, foi selecionado com outros 29 alunos do Brasil para participar de um intensivo de física em Campinas (SP), na Escola de Física Contemporânea da USP, e foi selecionado entre os 200 melhores alunos da OBMEP para participar do Encontro do Hotel de Hilbert, uma ação da OBMEP que oferecia palestras, minicursos, oficinas, atividades recreativas e maratonas aos estudantes.

1. O BPC foi criado em 1993 por meio da Lei nº 8.742 (Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS).
2. Em 2017, a OBMEP passou a aceitar também a inscrição de escolas particulares, com classificação e premiação de forma separada das escolas públicas.
3. Portal OBM. Disponível em: <http://obm.org.br/> Acesso em: 24 mar. 2018.

O artigo traz outros casos de sucesso que serão publicados nos próximos dias

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