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17/08/2017

A hexamedalhista que virou professora da OBMEP

 

Karine Rodrigues

Aos oito anos, a filha do bombeiro militar Genésio Beloni já sabia o que queria ser na vida: professora. Mas não fazia parte dos planos dela esperar até virar adulta. Por isso, o pai tratou logo de passar uma demão de tinta preta fosca em uma parede da garagem e comprou uma caixa de giz. Era o suficiente para a menina, que arregimentou vizinhos e colegas de escola e formou a sua primeira turma de alunos.

A brincadeira de criança se transformou em profissão. Aos 19 anos, Eliani Beloni dá aula no Programa de Iniciação Científica (PIC Jr) da OBMEP, está no segundo ano do bacharelado com ênfase em Matemática Pura na Unesp e vislumbra um futuro na área. “Meu gosto pela matemática vem desde pequena, quando tinha o sonho de ser professora. E ficou mais forte quando comecei a participar da OBMEP”, recorda a jovem, que nasceu e mora em Olímpia (SP) com os pais, Genésio e Valdelice, e o irmão Ilis, dois anos mais novo.

A primeira participação na OBMEP foi em 2009, aos 11 anos. Naquele ano, ingressara na Escola Estadual Professora Alzira Tonelli Zaccarelli e lá permaneceu até concluir o Ensino Fundamental. Acertou 17 das 20 questões e passou à segunda fase da competição. Como, em casa, não tinha acesso à internet, ia à escola com frequência consultar o Banco de Questões da OBMEP. O esforço foi recompensado.

“Recebi uma ligação da minha professora de Matemática, Renata, dizendo que fora premiada com a medalha de bronze. Até então não imaginava a importância que a OBMEP teria em minha vida e tudo que ela me propiciaria”, relata Eliani, que, por ter sido medalhista, garantiu uma vaga no Programa de Iniciação Científica (PIC Jr).

A novidade deixou a família empolgada. Mas participar dos encontros presenciais, realizados na Unesp, em São José do Rio Preto, exigia uma adaptação na rotina de todos.  E como Eliani fora a única estudante de Olímpia a ganhar medalha naquele ano, nem dava para dividir responsabilidades com outros pais. Quando era dia de encontro do PIC, Genésio dedicava o dia à filha. Gastava cerca de duas horas para vencer o trajeto de ida e volta e, por conta da distância, ficava lá mesmo, na universidade, aguardando o fim da aula.

A experiência do PIC Jr, descreve Eliani, foi “incrível”. Estava cercada por pessoas que, assim como ela, tinham predileção por matemática e pôde se aprofundar nos estudos da área. Mas precisou se esforçar muito para acompanhar o ritmo dos ensinamentos. “Quando cheguei, vi que não tinha muito domínio da parte teórica. Fiquei preocupada, mas meus pais, que possuem apenas o Ensino Médio, disseram que estavam ali para me apoiar no que eu precisasse e que, naquele momento, dependia de mim seguir adiante.”

Eliani topou o desafio. Além dos encontros presenciais, realizava todas as atividades propostas. A dedicação possibilitou novas conquistas. Em 2011, quando o Fórum da OBMEP recebeu o nome de Hotel de Hilbert, ela foi um dos 300 estudantes do PIC selecionados em todo o Brasil para participar do evento, como prêmio pelo ótimo desempenho no programa. Foi a primeira vez que Eliani entrou num avião. Saiu de São Paulo e foi para Nova Friburgo, região serrana do Estado do Rio de Janeiro, onde passou seis dias numa imersão matemática.

Pioneirismo

O Hotel de Hilbert acabou por deixá-la ainda mais motivada. No ano seguinte, decidiu reviver a brincadeira de criança, mas com aulas para valer. Ela reuniu o irmão Ilis, o primo Guilherme e a prima Poliani. E estudava com eles usando apostilas do PIC, os  Bancos de Questões e as provas de anos anteriores.  Os resultados foram muito positivos, e “a professora Eliani” foi aprovada com louvor. Além de ter conquistado a sua primeira medalha de ouro na OBMEP, o irmão e o primo ganharam bronze. A prima recebeu uma menção honrosa. “Ficamos muito alegres. Fomos os únicos medalhistas da escola e também da cidade!”, conta.

Eliani nem sequer imaginava que, de certa forma, fizera algo que, no ano seguinte, seria replicado institucionalmente pela OBMEP: os Clubes de Matemática. Doutora em Matemática pela Unicamp e uma das coordenadoras regionais da OBMEP em São Paulo, Aparecida Francisco da Silva recorda do pioneirismo daquela estudante franzina cheia de entusiasmo: “A gente olha para Eliani e nem imagina o tanto de energia que ela guarda dentro de si. E tem muita iniciativa. É impressionante”.

Professora de Eliani no 9ºano do Ensino Fundamental, Flávia Mialich tem a mesma opinião e usa as palavras “dedicada” e “estudiosa” para qualificá-la. “Quando a conheci, ela já se destacava na OBMEP. Sempre trazia questões para discutirmos nas aulas e era capaz de transpor e implementar as situações de aprendizagem propostas”, revela, contando que, na mesma época, deu aulas para Valdelice, mãe de Eliani, aluna da Educação de Jovens e Adultos (EJA).  “Era notável o incentivo da família em relação à vivência escolar da filha.”

Incentivo dos pais e dos professores

Quando fala sobre o apoio recebido ao longo de sua trajetória estudantil, Eliani, imediatamente, cita os pais e, logo depois, professores de Matemática e Silvia da Matta, coordenada da Alzira Tonelli Zaccarelli, com quem sempre mantém contato.

“Por serem de família numerosa, meus pais trabalhavam desde pequenos para ajudar em casa. Eles não tiveram a mesma oportunidade que tive para estudar. Foram eles o principal motivo de eu chegar aonde cheguei. Tanto pela história de vida, de esforço e dedicação como pelo incentivo que sempre deram a mim e ao meu irmão”, conta a universitária.

Sobre a vida estudantil, Eliani tem na ponta da língua a sua participação na OBMEP e nas atividades dela decorrentes. Além de seis edições do PIC (2010 até 2015), conquistou uma menção honrosa, duas medalhas de bronze, três de prata e uma de ouro e foi para quatro encontros do Hotel de Hilbert. Um deles, em 2014, em Florianópolis, com o irmão Ilis, que agora cursa o 3º ano do Ensino Médio na ETEC de Olímpia, onde ela também fez seus estudos secundários.

Aluna do PICME (Programa de Iniciação Científica e Mestrado), Eliani dá aula no PIC em São José Rio Preto para alunos medalhistas e participa do PET (Programa de Educação Tutorial) Matemática. No ano passado, também foi professora do programa OBMEP na Escola, em Olímpia. É a realização do sonho de infância.

“Está sendo muito prazeroso. Além de ensinar e ajudar os alunos, estou sempre aprendendo coisas novas”, diz, avaliando que o papel do professor é também incentivar os estudantes, por meio de exemplos práticos ou de competições como a OBMEP. “Mas isso não é suficiente. O aluno deve mostrar interesse e dedicação. Estudar matemática vai além da sala de aula. O esforço individual é muito importante”, conclui Eliani, ela mesma uma prova disso.