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15/05/2020

Walner Mendonça defende tese sobre teoria de Ramsey

O que faz um pesquisador? No auge da sua infância, o cearense Walner Mendonça não tinha esta resposta na ponta da língua, mas sentia que seus interesses o levariam para a área científica. “Me interessava muito por revistas de divulgação científica e programas de TV sobre ciências. Porém, não sabia ao certo que tipo de pesquisador eu queria ser. Imaginava que talvez seria biólogo ou físico.” A facilidade com a matemática e o ímpeto de desvendar tópicos mais avançados da matéria acabaram o atraindo para área. 

Com a defesa da tese do doutorado agendada para segunda-feira (18), por videoconferência, pode-se dizer que Walner descobriu com as próprias pernas como é a rotina de um pesquisador da matemática. Orientado pelo professor Robert Morris, o trabalho aborda a teoria de Ramsey em grafos esparsos, e seus resultados têm relações, por exemplo, na identificação de interesses comuns em grupos de usuários em redes sociais.

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Subárea da combinatória, a teoria de Ramsey reúne uma classe de problemas com um mesmo paradigma: é impossível ter desordem completa. O doutorando cita um exemplo que ilustra os problemas da área. “Suponha que, em uma rede social, todos os usuários são amigos. Porém existem dois tipos de amizades, os quais distinguiremos pelas cores azul e vermelha. Ademais, cada dois usuários compartilham uma amizade vermelha ou azul, mas não os dois tipos de amizade ao mesmo tempo. Essa ilustração descreve o que em combinatória chamamos de grafo completo 2-colorido.”

O interessante é que não é difícil provar que a rede social deve ser inteiramente conectada necessariamente em uma destas cores, aponta. “Para alguma destas duas cores, digamos que a azul, é possível conectar quaisquer dois usuários da rede social por um grupo de usuários formando uma cadeia de amizades azuis.” Na figura abaixo, cedida por Walner, a rede social ilustrada tem todos os usuários conectados pela cor azul. “Embora Letícia e Pedro compartilhem uma amizade vermelha, podemos conectá-los em azul usando, por exemplo, a amizade azul compartilhada entre eles e Luiz.”

Nascido em Fortaleza, Walner se graduou em matemática pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Logo de início se sentiu em casa no curso, tendo a confirmação de que fizera a escolha certa. “Nos primeiros semestres já percebi que poderia ser feliz estudando matemática e que, apesar das incertezas profissionais da área, eu iria seguir fazendo algo que eu gostava muito e que ao mesmo tempo fosse desafiador e até divertido.”

Começou a conhecer melhor os tópicos modernos de combinatória a partir de uma bolsa de  iniciação científica. Com a graduação concluída, decidiu seguir estudando a área em um mestrado na mesma instituição, sob a orientação do professor Fabrício Benevides. “A área de combinatória no departamento de matemática da UFC era ainda muito nova. Combinatória é, de fato, uma área relativamente nova no Brasil e não tem tantos pesquisadores ainda”, conta o matemático, que interagia principalmente com seu orientador. “Fabrício sempre foi um orientador bastante atencioso e paciente. Era fácil ir na sala dele e passar horas discutindo algum problema ou alguma ideia.”

Foi também através de Fabrício que Walner começou a se aproximar da teoria de Ramsey, área de pesquisa do seu então orientador. “Os problemas pareciam muito interessantes e atraentes”, conta. A variedade de técnicas necessárias para estudar o objeto é algo que intriga Walner. “As técnicas, até para matemáticos de outras áreas, podem parecer surpreendentes e engenhosas. E de fato são. Mas boa parte da pesquisa na área foca em aprimorar tais técnicas a fim de obter um melhor entendimento dos problemas ainda em abertos, que são inúmeros.” Acompanhar o rápido desenvolvimento da área nos últimos anos tem sido uma de suas maiores dificuldades,  conta.

O doutorando destaca o apoio que teve de seu orientador, Robert Morris, como um importante aliado na empreitada acadêmica. “Rob sempre procurou acompanhar o andamento dos meus projetos, sendo sempre pontual e preciso em suas observações e sugestões. Sua visão matemática é surpreendente.” Conhecido por frequentar conferências de sandálias havaianas, o pesquisador britânico representa para Walner um “exemplo de matemático humilde, simples e prático”, que guardará pelo resto da vida.

A “fiosofia de ensino” de Morris é algo que Walner deseja levar para a sua futura carreira como professor. “No cursos e nos seminários ele sempre motiva os alunos a fazerem perguntas. Como ele gosta de dizer, ‘não há perguntas estúpidas’. Ele também gosta de deixar os alunos desenvolverem ideias por conta própria e, como orientador, sempre insiste que os seus alunos vão com frequência à sua sala, nem que seja para ter uma conversa rápida.”

No IMPA desde 2016, o cearense conheceu o instituto através do programa de verão, do qual participou um ano antes. Além de ser um admirador da floresta que cerca a sede, ele valoriza as constantes conferências de várias áreas da matemática sediadas no local. “O grupo de combinatória no IMPA tem se desenvolvido bastante nos últimos anos. Temos um número grande de alunos e contamos com visitas constantes de vários pesquisadores ao instituto. Além disso, o grupo de alunos do Rob, que não é pequeno, interage bastante entre si e está sempre disposto a discutir novos problemas e técnicas”, destaca.

Antes de o instituto suspender as atividades presenciais por causa do novo coronavírus, Walner era um frequentador do grupo de jogos de tabuleiro do IMPA, que se reunia todas as quartas-feiras no salão de café. “Este era um dos pontos altos da minha semana e que já sinto bastante falta.” De quarentena, passou a se dedicar a aprender a tocar piano e ukulele. “Gosto de estar aprendendo coisas novas o tempo todo”, diz.

Com a tese defendida,  Walner deve iniciar um pós-doutorado pela Universidade de Warwick, na Inglaterra, de início remotamente. “Assim que tivermos a situação da pandemia mais normalizada eu devo tentar me mudar para Inglaterra”, explica. “A matemática me trouxe uma forma de pensar que eu acho que poucas áreas trariam. Acredito até que seria um benefício para a sociedade como um todo se mais pessoas compartilhassem desta forma de pensar que a matemática pode proporcionar”, conclui.

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