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02/04/2020

Na quarentena, aulas do IMPA vão da cozinha ao playground

 

O pesquisador Roberto Imbuzeiro durante a gravação de aula para alunos de mestrado. Foto: Bianca Zadrozny

Cecília Manzoni

“Nunca pensei que usaria a parede da minha cozinha para outra atividade além de brincadeiras com meus filhos”, conta Roberto Imbuzeiro, pesquisador do IMPA. Em tempos de quarentena, o professor improvisou um quadro-negro na superfície, desenhando gráficos e fórmulas do curso “Análise no Rn”. Neste cenário pitoresco, Imbuzeiro grava vídeos curtos que disponibiliza para seus alunos de mestrado. “O interfone que fica no canto da parede é a única coisa que atrapalha. De vez em quando, cai”, brinca.

A criatividade tem sido a ferramenta chave para driblar os efeitos do isolamento social, necessário para conter a disseminação da pandemia do novo coronavírus. As salas e corredores do instituto estão vazios desde 17 de março, quando a administração  suspendeu aulas presenciais e eventos, entre outras atividades. Desde então, professores vêm aplicando novos formatos para dar continuidade ao semestre letivo e às pesquisas. 

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Para o diretor-geral do IMPA, Marcelo Viana, a situação trouxe novas perspectivas. “Há anos já vínhamos filmando nossos cursos e palestras e tenho notado que muitos alunos assistem a estes vídeos em nosso canal do Youtube. Com o isolamento, percebemos que a demanda que os alunos têm é muito maior do que o que prevíamos. É um ponto que pode ser aprimorado quando voltarmos à rotina.”

As composições do polaco Frédéric Chopin têm embalado as tardes de estudo de Noeme Matos, aluna de mestrado do IMPA. Na falta de uma escrivaninha adequada em seu quarto, a estudante recorre ao playground do edifício para manter a rotina acadêmica. “Não tenho a estrutura que tinha no ambiente do IMPA, mas com a música clássica consigo abafar um pouco os barulhos externos.”

A aluna de mestrado Noeme Matos estuda no playground de prédio.

Recém chegada ao mestrado, Noeme relata que o isolamento social trouxe uma dose extra de dificuldade a um momento já desafiador. “Ainda estou tentando me adaptar. Acredito que estou caminhando para isso. As trocas de experiências com os colegas do curso e professores no e-mail e WhatsApp têm sido bons aliados”, comenta. 

Habituados a trabalhar com tecnologia e inovação, a turma do Visgraf (Laboratório de Computação Gráfica do IMPA) teve uma adaptação quase instantânea à dinâmica. “Somos privilegiados porque o instituto tem uma excelente estrutura de rede. Temos acesso à plataforma G Suite, do Google, que disponibiliza várias ferramentas para o trabalho à distância”, conta Luiz Velho, pesquisador-líder do laboratório.

Aula de sistemas gráficos 3D no Google Meet.

Os projetos em realidade virtual e realidade aumentada são umas das poucas atividades interrompidas pelo grupo. “Nesse caso os equipamentos especiais são muito grandes e difíceis de levar para casa. Mas estamos adiantando tudo que é possível agora. A ideia é testar para implementar as novidades assim que voltarmos ao IMPA.” 

O movimento pela proatividade tem atingido a comunidade científica mundial. Conferências que costumavam ter taxa de inscrição e vagas limitadas, como a HTC Vive Ecosystem Conference, abriram exibição online para o público, conta Luiz Velho. Nas últimas semanas, ele já participou de quatro delas em realidade virtual. 

Uma das palestras da HTC Vive Eosystem Conference, realizada esse ano em realidade virtual.

O mestrando Thales Magalhães equilibra os estudos com cuidados com a saúde. Assiste às vídeo-aulas, pratica exercícios físicos dentro de casa e volta e meia vai ao quintal para pegar sol. Viu “certa praticidade” nas aulas à distância. “Costumo levar cerca de uma hora e meia para chegar ao IMPA”, conta Thales que mora em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. Ainda assim, ele admite que o contato físico tem muitas vantagens. “É muito mais fácil tirar uma dúvida com um professor quando você esbarra com ele no corredor. Pela internet esta interação acaba sendo mais formal.”

O mestrando Thales Magalhães em seu ambiente de estudo.

Sem receber visitantes, a biblioteca do IMPA também passa por um período de transformação. Em esquema de home office, os funcionários se dedicam a fazer uma varredura na base de dados. “É um sistema antigo, desenvolvido na década de 90. Os arquivos não aceitam acentos gráficos, por exemplo. Então estamos aproveitando esse tempo para consertar estas falhas”, contou Viana. 

“O espírito é: por pior que seja a situação do mundo, estamos fazendo uma coisa importante e boa. Temos que pensar em maneiras de não parar”, afirma Imbuzeiro.

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