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15/07/2021

Matemática e fotografia: a equação perfeita de Luis Florit

Crédito: Luis Florit / Arquivo pessoal

Há 30 anos, o então argentino Luis Adrian Florit, recém-formado em Matemática pela Universidade de Buenos Aires, desembarcou no Rio de Janeiro com um objetivo: “ir à praia”. O Brasil não estava nos planos do jovem, mas o convite para o Curso de Verão do IMPA, na Cidade Maravilhosa, mudou os rumos do matemático. A paixão pelo Rio e pelo Instituto foram avassaladoras, e Luis nunca mais foi embora.

“Quando eu terminei a universidade, um colega me chamou para fazer o Curso de Verão do IMPA, mas eu só queria saber de tirar férias. Fora que eu não tinha dinheiro na época para bancar essa viagem. Quando ele me disse que era no Rio de Janeiro e que os custos estariam cobertos, eu topei na hora”, relembra Luis.

Nascido em Buenos Aires há 55 anos, Luis concluiu o doutorado no IMPA no começo de 1994. Antes de acabar o curso, o matemático foi convidado a continuar como pesquisador associado com uma bolsa de recém-doutor. Depois de um pós-doutorado na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, ele finalmente se tornou pesquisador do instituto, onde também dá aulas. Hoje ele é professor titular da instituição.

A permanência no Rio também ajudou outra paixão de Luis: a fotografia. As belezas naturais da cidade aguçam o olhar do matemático. O IMPA também é cenário para cliques do professor. Suas fotos da natureza brasileira são referência na área e podem ser vistas no site do pesquisador. “A fotografia me preenche de inúmeras formas diferentes. Além das óbvias razões artística, lúdica e social, ela me fez chegar perto da natureza de uma forma que dificilmente teria conseguido. E ainda tem o lado da conservação, que hoje eu considero ser a atividade mais importante à qual alguém pode se dedicar: é essencial que as pessoas saibam da riqueza dos ambientes que têm ao redor, desde a Amazônia até o próprio quintal. Lembremos: só se preserva aquilo que se ama, e só se ama aquilo que se conhece”, avalia o pesquisador.

Macho de saíra-ferrugem (Hemithraupis ruficapilla) nos jardins do IMPA / Crédito: Luis Florit

A escolha pela matemática como carreira surgiu por acaso, durante a faculdade em Ciências da Computação. “Desde cedo, eu gostava muito de astronomia, física e biologia. Na adolescência, descobri a computação, especialmente a programação. Quando eu fui entrar na universidade não sabia qual carreira escolher, já eu gostava de muitas coisas, mas acabei optando pela computação”, conta o pesquisador.

Como o primeiro ano do curso tinha várias disciplinas em comum com a graduação em matemática, Luis sentiu pela primeira vez o interesse pela área. Depois de um ano e meio na computação, ele decidiu mudar definitivamente para matemática. No curso, a geometria chamou a atenção do jovem que, além das disciplinas obrigatórias sobre o tema, participou de várias disciplinas optativas.

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No doutorado no IMPA, o matemático se especializou em geometria diferencial, que estuda as propriedades dos objetos geométricos suaves, sem arestas. “Dentro da geometria diferencial, eu fui para o lado da geometria Riemanniana, que é quando a gente coloca uma noção de distância e curvatura nesses objetos. Por exemplo, assim como os segmentos de retas realizam a distância mais curta entre dois pontos no plano, na geometria Riemanniana se pode falar das curvas que minimizam distâncias. Estas curvas determinam a curvatura, ao mesmo tempo em que são determinadas por ela”, explica.

O hoje argentino-brasileiro comenta que era um aluno bem medíocre na escola, mas que isso mudou completamente ao entrar na universidade. Além de frequentar as aulas de temas pelos quais tinha muito interesse, o contexto político também influenciou no seu desempenho. “Eu fiz a escola na época da ditadura militar na Argentina (1976-1983), então era particularmente complicado. Professores foram demitidos e substituídos por outros que tinham o intuito de dar asas ao próprio sadismo em vez de educar. Quando eu tinha 13 anos, dez meninos de uma turma da minha escola desapareceram sem nenhum motivo aparente. Poderia ter acontecido comigo. Por isso, eu detestava todo o contexto do colégio”, recorda Luis.

Ele iniciou a graduação em 1985, após o período de democratização do país, e conta que tudo se transformou: “foi uma mudança completa em todos os sentidos – do ponto de vista político e de liberdade, do ponto de vista do ensino, do prazer em fazer uma coisa que eu gostava e de conhecer professores que, finalmente, gostavam de ensinar, o que praticamente não existia no meu colégio”.

Autor de dezenas de artigos produzidos ao longo dos últimos 30 anos, Luis acredita que uma das suas principais contribuições para a matemática foi a formação de novos profissionais: “além das centenas de alunos que já tive durante os cursos que dei na universidade e no IMPA, orientei várias teses de doutorado de matemáticos que hoje estão dando aula e realizando pesquisas em universidades. Me sinto satisfeito com o que alcancei na carreira e pretendo continuar na área”.

Mesmo com a dedicação às aulas e pesquisas no IMPA, além da paixão pela fotografia, Luis mantém o interesse por computação até hoje e tem alguns programas gratuitos dedicados à conservação da natureza disponíveis na sua página.

“Na matemática, você tem um objetivo que você não sabe bem qual é. Você quer simplesmente entender um fenômeno, mas não sabe como ele funciona. Você pode trabalhar durante meses sem obter nenhum resultado até conseguir um passo importante, mas que ainda não é a solução. É preciso muita paciência. Já a programação é o contrário. Assim que você começa, você já sabe aonde quer chegar e é só dedicar tempo que você sabe que vai acabar, avançando de maneira contínua. E a fotografia, apesar de ter muitas técnicas, é uma atividade basicamente artística, interior. Então acho que essas atividades são complementares”, conclui.

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