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16/07/2019

João Candido Portinari fala sobre o pai em encontro no IMPA

Integrada por poemas, gravuras, pinturas e depoimentos de artistas e figuras políticas nacionais e internacionais, a palestra “The Portinari Project: Science and Art Team Up Together to Help Cultural Projects” trouxe emoção ao primeiro dia do Encontro Brasil-França. Nela, o matemático João Candido Portinari apresentou o projeto a que se dedica há 40 anos: manter viva a obra do pai, o pintor Candido Portinari (1903-1962), um dos expoentes das artes plásticas no Brasil.

O vínculo com o público fixou-se logo nos primeiros minutos da explanação. João Candido fez entoar uma clássica canção francesa no auditório Ricardo Mañé, enquanto projetava antigas fotografias de seu tempo de estudante universitário.  “Conforme nós envelhecemos, nos tornamos mais sentimentais”, disse.

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Criado em 1979 no Departamento de Matemática da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), o Projeto Portinari nasceu de um paradoxo que incomodava o herdeiro do pintor. Como poderia um artista de obras tão plurais, que retratavam diferentes tecidos sociais do Brasil, ter suas telas praticamente restritas a coleções particulares, distante do povo? À época, era estimado que 95% das telas do pintor não estavam acessíveis ao grande público.

O incômodo foi a força motora para o início de uma intensa empreitada de rastreamento, catalogação e democratização do acesso às telas de Portinari. Nas quase quatro décadas que se seguiram, o projeto já conseguiu reunir ao menos 5 mil pinturas e 25 mil documentos ligados à obra e à vida do artista, além de promover a dispersão desse acervo pelo país e pelo mundo.

Na empreitada, a aplicação de alta tecnologia e de métodos científicos da área da Matemática foi crucial em diferentes etapas do projeto, afirmou João Candido.

Uma das maiores contribuições da Matemática ao programa foi o desenvolvimento de ferramentas de verificação da autenticidade das obras. Desde o final da década de 90, matemáticos da computação da PUC-Rio analisam traços microscópicos das telas do pintor, como a espessura da tinta em seus quadros ou as curvas deferidas pelo movimento dos pincéis. Estas características ficam gravadas na memória dos computadores, criando uma espécie de caligrafia do artista, o que permite a identificação minuciosa das obras.

Embora a perda do patrocínio da Petrobras tenha interrompido o trabalho da equipe da PUC-Rio, o professor Nivio Ziviani, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), executa outro programa em colaboração com o Projeto Portinari. Junto à equipe, o matemático desenvolve um software de redes neurais (machine learning), que reconhecerá, dentre as mais de 5 mil obras do acervo, quais são de autoria do Portinari e quais não são.

O ano de 2019 marca o aniversário de 40 anos do Projeto Portinari – e não faltam motivos para comemorar. Em junho, uma parceria com o Google Arts & Culture e mais cinco instituições culturais disponibilizou nas redes uma vasta coleção sobre o pintor. Basta acessar a plataforma para contemplar as mais de 5 mil obras de arte, milhares de cartas e documentos de seu arquivo pessoal e histórias selecionadas sobre a arte, a vida e o legado do pintor.

Terminada a palestra, João Candido expressou satisfação em trazer o conteúdo aos alunos e colegas do IMPA.

“Tenho uma relação sentimental e afetiva com o IMPA que é imensa, porque vi este instituto nascer. Pude ver o extraordinário trabalho  feito por esse grupo de matemáticos, como Lindolfo Carvalho Dias,  Maurício Peixoto, Jacob Palis, ao criar essa joia. Toda vez que tenho a oportunidade de falar aqui, passo quase que uma semana sem dormir, preparando o trabalho com muito carinho e dedicação.”

Este carinho também pode ser visto nas paredes da biblioteca do IMPA, onde figuram 11 reproduções de obras de Portinari. Presentes do filho único do pintor a Jacob Palis, à época diretor-geral do IMPA, as obras estão dispostas na sala de leitura e em outros espaços da biblioteca. 

Amigo de longa data de João Candido Portinari, Palis deixou uma sugestão ao idealizador do projeto: “Por que não trazer o painel  ‘Guerra e Paz’ de volta ao Rio?”.

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