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31/07/2020

Imbuzeiro fala sobre cientista ‘de verdade’ no Estadão

Quando retratados em filmes ou desenhos, cientistas costumam ser personagens que “resolvem qualquer parada em alguns instantes”, sem cometer erros. Um cenário que pouco se aproxima da realidade. Em artigo publicado no Blog do Fausto Macedo no Jornal O Estado de S. Paulo, como parte da campanha #CientistaTrabalhando, o pesquisador do IMPA Roberto Imbuzeiro retrata a vida real que leva.

“A ciência da vida real, feita por pessoas como eu, não é um ‘flash’. Às vezes, é preciso muito trabalho para se chegar a um palpite novo ou encontrar um fenômeno desconhecido. Além disso, achar uma novidade é só uma parte do processo. A ciência só se consuma quando esta novidade é testada da forma mais dura, metódica e precisa possível. Este processo tem ainda que deixar um registro público, para que outras pessoas tirem suas próprias conclusões.”

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Entre tentativas, erros e os tão comemorados acertos, Imbuzeiro destaca que a ciência do mundo real é complicada, apresenta suas limitações, mas mesmo assim consegue superar qualquer narrativa da ficção. Atuar como cientista permite participar de ações verdadeiramente heróicas em momentos históricos, como durante a pandemia da Covid-19. 

A campanha #CientistaTrabalhando, promovida pelo Instituto Serrapilheira, foi realizada durante o mês de julho, convidando cientistas a ocuparem colunas de destaque na imprensa. Luna Lomonaco substituiu o colunista de política da Folha de S. Paulo Bruno Boghossian para falar sobre matemática, na última quarta-feira (29). 

O diretor-adjunto do IMPA, Claudio Landim, “ocupou” a coluna do jornalista de política internacional Guga Chacra, no Jornal O Globo. E convidou a física Marcia Barbosa, o biólogo Fábio Hepp, o psicólogo e doutor em Neurociências e Comportamento, Paulo Boggio, a pesquisadora do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC) e do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI), Claudia Sagastizábal, a integrarem a campanha com textos no Blog Ciência & Matemática.

Marcelo Viana, diretor-geral do instituto, dedicou duas de suas colunas na Folha de S. Paulo à ação, “O valor da ciência”, publicada em 8 de julho, e “Quem descobriu a América (de verdade)?”, em 29 de julho.

Confira o artigo de Roberto Imbuzeiro publicado no Estadão na íntegra: 

A ciência não é um ‘flash’

Este #CientistaTrabalhando é, também, um pai que às vezes se rende a ver a série do herói “Flash” com os filhos. Por coincidência, o homem mais rápido do mundo conta com uma equipe de cientistas para apoiá-lo. Quando há algum problema, logo um deles tem uma ideia, outro o complementa e um terceiro completa a frase do segundo, numa espécie de raciocínio em cadeia. Daí para se derrotar o vilão da vez é um pulo.

A ciência da vida real, feita por pessoas como eu, não é um “flash”. Às vezes, é preciso muito trabalho para se chegar a um palpite novo ou encontrar um fenômeno desconhecido. Além disso, achar uma novidade é só uma parte do processo. A ciência só se consuma quando esta novidade é testada da forma mais dura, metódica e precisa possível. Este processo tem ainda que deixar um registro público, para que outras pessoas tirem suas próprias conclusões.

A ciência de verdade é complicada, difícil e tem suas limitações. Mesmo assim, ela nos traz muitos benefícios tangíveis. Por outro lado, é muito mais emocionante que a do seriado. Ser cientista no mundo real é participar de um grande épico cheio de surpresas, decepções, viradas de trama e algumas vitórias fabulosas, mais até para “Senhor dos Anéis” do que para “Flash”.

Mesmo assim, não seria nada mal contar com os amigos do Flash neste momento de COVID19. No universo do herói, os cientistas resolvem qualquer parada em alguns instantes, sem jamais errar. No nosso mundo, a ciência é lenta, às vezes confusa e, pela sua própria estrutura, nunca chega à palavra final. Com isso, abre-se um nicho de mercado para “cientistas de faz-de-conta” impressionarem o público com afirmações categóricas sobre a pandemia.

Lidar com as ilusões ao redor da ciência é sempre um desafio. É importante dizer que divulgação da ciência e o imaginário dos cientistas também parecem criar esperanças falsas. Por exemplo, pessoas da minha idade foram expostos à ideia de “dominar o mundo via ciência” e viram muitas matérias sobre “cura da Aids”. Será que isso não deformou nossas expectativas?

Por outro lado, a utilidade da ciência na crise atual é muito clara. Graças aos alertas dos cientistas, o Brasil e o mundo já vinham se preparando para novas doenças respiratórias. Agora, com a crise deflagrada, vê-se um enorme esforço coletivo internacional para conseguir uma cura em tempo recorde. As medidas de distanciamento social também podem ser avaliadas e monitoradas cientificamente.

A ciência não é uma panaceia para os males do mundo. É uma bela história coletiva de onde tiramos ferramentas para encarar as coisas, incluindo a COVID-19. Precisamos dela para dar a melhor resposta a esta e a outras crises, sem ter de contar com heróis ou fantasias perigosas.

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