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01/11/2018

Entre o distrito de Lagoa da Cruz (PB) e o Canadá, a Matemática

Karine Rodrigues

Quem tira o sustento da roça sabe que, em tempo de céu seco, não há suor que faça algo germinar. Rogaciano e Adeilda Ferreira da Luz que o digam. Morador do distrito de Lagoa da Cruz, em Princesa Isabel (PB), a 420 km da capital João Pessoa, o casal de agricultores criou os seis filhos driblando as intempéries do sertão. Leandro, o quinto, de 17 anos, sonha cursar medicina. Ao realizá-lo, será o primeiro da família a entrar na universidade.

Credenciais não faltam, a julgar pelo relato de Maria do Bom Conselho Freitas. Mestre em Matemática Pura e Aplicada e professora da rede pública de Pernambuco há mais de duas décadas, ela sabe bem do que o adolescente é capaz.

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“Nos 22 anos em que trabalho na Escola Tomé Francisco da Silva, tive a oportunidade de trabalhar com diversos alunos, alguns muito inteligentes, esforçados, com vontade de vencer, alunos brilhantes com raciocínio lógico diferenciado. Dois foram muito especiais: um faz Matemática na Universidade Federal da Paraíba; o outro é Leandro.”

Bom Conselho o conheceu em 2014, quando ele passou a frequentar aulas de aprofundamento em Matemática. À época, o estudante fora classificado para a segunda fase da OBMEP. Dois anos depois, quando Leandro virou seu aluno no ensino regular, o contato se estreitou. “Passei a admirá-lo ainda mais. Inteligente e disciplinado. Humilde, não se deixou abater pelas dificuldades. Está sempre agarrando as oportunidades”, observa.

Leandro estreou na OBMEP aos 12 anos, quando cursava o sexto ano do Ensino Fundamental. Ele lembra o quão impactante foi a experiência. “Aquelas questões eram totalmente diferentes. Nunca havia resolvido algo parecido. Era realmente maravilhoso”, recorda, detalhando o que sentiu ao conquistar uma medalha. “Foi espetacular. Passar por aquela experiência fez aumentar ainda mais a minha pela paixão pela Matemática.”

Aluno do 2º ano do Ensino Médio da Tomé Francisco da Silva, em Quixaba (PE), Leandro conquistou três pratas e um ouro na OBMEP. A premiação máxima o trouxe ao Rio no ano passado para receber a medalha, o que considerara inimaginável.

“Nunca passou pela minha cabeça que um dia fosse à premiação no Rio de Janeiro. Sou de família pobre. Meu pai e minha mãe sustentaram e educaram seis filhos no cabo da enxada. Recebíamos um pequeno auxílio do governo por meio do programa Bolsa Família. Mesmo com todo o sufoco, eles faziam o máximo para que pudéssemos estudar e não faltar nada.”

“Com a educação, a situação pode melhorar”

No lar dos Ferreira da Luz, as conquistas de Leandro são motivo de orgulho. A família já enfrentou muitas dificuldades, mas Adeilda crê que, com a educação, a situação pode melhorar. “A família é muito grande, mas a gente vai em frente, com fé em Deus e no estudo, que é uma coisa muito importante na vida de todos. Leandro, um dia, há de ter um futuro bom, um trabalho para se manter.”

Embora ninguém da família já tenha estudado em universidade, Leandro conta que nenhum dos seis filhos vive “preso à roça”. Os dois mais velhos são caminhoneiros e entregam ovos produzidos em uma granja de Princesa Isabel.

As duas irmãs mais velhas moram em João Pessoa e São Paulo. Leandro permanece em Lagoa da Cruz com a caçula. Ele acha que a vida melhorou. Os pais já não recebem o Bolsa Família. Rogaciano começou a trabalhar em uma granja, recebendo salário mínimo.

Agora, Leandro sonha com o Canadá. Foi selecionado para intercâmbio no país pelo Programa Ganhe o Mundo, da Secretaria de Educação de Pernambuco.

E se ingressar na medicina, a Matemática, que lhe abriu tantos caminhos, há de acompanhá-lo. “Ela está em tudo. Independentemente de minha escolha, irei conviver com ela no meu dia a dia.” Torcida para que realize esse desejo não falta.

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