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16/01/2020

Em seu sétimo país, ‘cigana’ Luna Lomonaco chega ao IMPA

Luiza Barata

Um bilhete feito a mão, colado na porta da sala 334 do IMPA, anuncia que o espaço tem uma nova ocupante: Luna Lomonaco. O lugar ainda vai receber livros e objetos pessoais, mas a pesquisadora já se sente quase em casa. “É a minha meta para 2020!” Recém-chegada de São Paulo, onde passou os últimos cinco anos, a italiana ainda está em fase final da mudança. 

Em 2019, Luna se tornou a primeira mulher a receber o Prêmio da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), que reconhece o melhor trabalho original de pesquisa da área. A matemática trabalha com pesquisa em sistemas dinâmicos e quer entender processos sobre o comportamento de um objeto que, de certa forma, codifica câmbios em outros objetos. “Pesquiso fractais. O que me motiva a fazer a pesquisa são as perguntas que me fizeram ao longo da vida. São as perguntas que te escolhem: algumas ficam na sua cabeça, outras não.”

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A pesquisadora também gosta de meditar, é soprano clássica – já participou de alguns recitais mas diz que “ainda está aprendendo” – e se considera uma “cigana de coração”. A primeira vez que precisou se mudar foi aos 9 anos, quando a família trocou Milão por Peschiera Del Garde, com pouco mais de 8 mil habitantes no nordeste da Itália.

“Foi uma mudança muito difícil. Imagine sair de Milão para uma cidadezinha no interior, no mato, onde todo mundo se conhece, sabe tudo de todo mundo… Era quase adolescente e lembro que todos na classe tinham crescido juntos. Eu me sentia de fora disso. Queria questionar tudo, e isso incomodava a turma e os professores. As pessoas falavam: ‘quem é ela? Ela pergunta demais!’”, conta a matemática. “No ensino médio, as coisas melhoraram um pouco, mas ainda me sentia enjaulada naquele cidadezinha.”

Luna se manteve “questionadora” pelos sete países onde morou em sua trajetória acadêmica: Itália, Espanha, Dinamarca, França, China, Estados Unidos até chegar ao Brasil.“Na infância, não me imaginava matemática. Nem sequer sabia que era uma profissão. Ao final do colégio, pensava em carreiras que iam do jornalismo à ciência, mas não tinha noção do que faria como cientista. Tinha a ambição de sair, viajar pelo mundo e fazer. Mas fazer o quê? Isso eu não sabia muito bem”, confessa com bom humor. 

“Nos últimos anos escolares na Itália, escolhemos entre o ensino profissional, o técnico ou liceu. Dentro do liceu existem outros três tipos: clássico; científico, que é voltado para as ciências matemáticas e linguísticas; e o linguístico, que foca no grego, latim, filosofia e história.” E foi durante as aulas de filosofia que Luna começou a se conectar com os números. 

“Incomodava-me o fato de muitos filósofos acharem que estavam sempre inaugurando novos conceitos. Como se pensassem ‘o que fizeram antes de mim não presta. O que faço presta.’ Me parecia um pouco limitado e arrogante. A matemática me parecia algo que as pessoas, de fato, trabalhavam juntas para descobrir algo. Não vamos recomeçar todas as vezes. Não é porque percebemos agora que a geometria euclidiana não é a única possível, então Euclides era um idiota. Não, Euclides era um gênio.”

Bolsa na Espanha salvou carreira

Durante a graduação na Universidade de Pádua (UNIPD), Luna revela ter vivido dias desanimadores. “Chegava com questões filosóficas e encontrava matrizes integrais…Onde me meti?!”, diverte-se. “Os professores queriam que a turma decorasse as coisas. Não era nada intuitivo e a universidade não foi aquilo que imaginava durante o primeiro ano. Em uma avaliação, questionei a nota final, queria saber se meus erros eram de conta para saber, ao menos, se o procedimento estava correto. Ouvi a seguinte frase: ‘se a senhorita pretende se graduar em matemática, pelo menos as quatro operações fundamentais deve saber.’” 

Perto de desistir da carreira, Luna conseguiu uma bolsa Erasmus, pelo Programa de Cooperação Internacional financiado pela Comissão Europeia, para estudar na Espanha. “Pensei que se conseguisse passar um tempo fora da Itália, faltaria menos para terminar a faculdade. Valeria mais a pena que começar uma outra graduação do zero.” A pesquisadora foi para a Universidade de Barcelona, fez alguns períodos da graduação e acabou cursando o mestrado em matemática. “Os professores lá começaram a responder às minhas perguntas, o que aumentou meu interesse. Mas mesmo assim, não me via como matemática. Tanto que, durante o mestrado, fiz vários cursos profissionalizantes para trabalhar em bancos ou no mercado financeiro. No meio do caminho, trabalhei em restaurantes para pagar as contas e fiz estágio em uma empresa de cinema 3D.” 

Foi quando um amigo francês fez a indicação para uma bolsa de doutorado. “Um belo dia, bati à porta da professora indicada por ele e me apresentei. Falei que adorava sistemas dinâmicos – o que eu não sabia direito que era. No final das contas, acabei não conseguindo a bolsa, mas fui indicada para uma outra oportunidade na Dinamarca.”

China

Ao final da experiência, Luna se sentia incomodada com “lacunas” que haviam ficado durante a especialização. “Tinha um monte de coisa que eu não sabia direito ainda. Eu me sentia uma fraude.” Mas a oportunidade de uma bolsa de estudos na Academia Chinesa de Ciências fez com que a pesquisadora, finalmente, começasse a se reconhecer profissionalmente. “Consegui pesquisar as coisas que queria e me encontrar, de alguma forma. Fui uma outsider por sete meses na China e isso foi muito bom. Respeitavam o meu espaço, e respeitava o espaço deles.”

Ainda na China, Luna recorreu a um professor americano que recomendou a Universidade de São Paulo (USP) para que a pesquisadora buscasse por uma vaga de emprego. “Nunca tinha vindo ao Brasil. Pensei ‘vamos, por que não?!’” Ao mesmo tempo, recebeu uma proposta para pós-doutorado em Roma, o que não traria estabilidade por muito tempo. “Arno era meu namorado à época e estava fazendo doutorado em física. Ele conhecia melhor que eu o cenário acadêmico e disse: ‘podemos optar pela Itália. Fico em casa, aprendo a fazer massas e, se tivermos um filho, fico em casa com o bebê.’ Olhei para ele e falei: ‘maravilha, vamos para o Brasil!’”

Em 24 de abril de 2014, data de que se lembra de cor, Luna chegou a São Paulo. Ao fim de setembro, Arno fez as malas e veio acompanhá-la. “Nós nos conhecemos na Dinamarca. Ele é holandês e estava na Dinamarca para fazer pesquisa. Lá as pessoas costumam chegar à pós-graduação um pouco mais tarde, já com filhos, família formada. Éramos alguns dos poucos solteiros da classe, então quando queríamos ir a algum bar, quem podia ir? Ele e eu. Na época da Copa do Mundo, quem tinha disponibilidade para assistir aos jogos? Eu e ele. Jogo atrás de jogo… e tudo aconteceu. Nós nos casamos.”

‘É muito feia esta coisa de o dia ter só 24 horas’

Ao se tornar professora na Universidade de São Paulo (USP), Luna intensificou as sessões de meditação. “Você começa a entender que é muito feia esta coisa de o dia ter só 24 horas, a hora ter só 60 minutos e a semana só sete dias. Os últimos anos da minha vida foram maravilhosos, mas muito corridos. Talvez fazer de mais, não seja necessariamente produzir bem. E é aí que entra a meditação na minha vida. Faço por sete minutos na minha casa, com ajuda de vídeos do YouTube. Tenho a tendência a ser muito acelerada e perfeccionista”, revela.

Entre as conquistas, Luna cita o artigo que escreveu com o orientador da época de doutorado, Carsten Lunde Petersen, e que lhe rendeu um dos principais frutos acadêmicos: o Prêmio SBM de Matemática. “Mas um trabalho superimportante que me trouxe confiança, certeza e bem estar de estar na carreira certa foi a publicação com Shaum Bullet ‘Mating quadratic maps with the modular group II’, na revista Inventiones Mathematicae.” 

Ela e Shaum começaram a trabalhar em 2011, quando cursava o doutorado. “Até o inglês, no início, era um problema para nos comunicarmos. Quando soube que o artigo tinha sido aceito, em 2019, fiquei com uma sensação linda de ‘ok, eu consigo, eu sou capaz’. Porque pesquisamos um tema que ninguém olhava, mas que conseguimos dividir bem: ele com a parte de topologia algébrica, eu, com os sistemas dinâmicos”, conta Luna, que no mesmo ano foi selecionada pelo Instituto Serrapilheira para receber um aporte de R$ 100 mil.

Crédito: Divulgação Instituto Serrapilheira

A pesquisadora derrete-se pela turma da USP do curso de Sistemas Dinâmicos Complexos no último semestre.  “Para a avaliação final, pedi que os alunos entregassem projetos. Fico arrepiada só de pensar: me entregaram estudos fantásticos, eles quiseram mesmo retribuir o meu esforço nas aulas e deu certo. Chorei muito na nossa despedida”, lembra com carinho.

Despedir-se dos alunos de São Paulo não foi tarefa fácil, mas Luna está preparada para os próximos desafios. “Na USP, tínhamos um grupo de professores em que todos tentavam se ajudar. Espero encontrar isso aqui porque sempre sonhei com este momento.” A primeira vez que veio ao IMPA foi durante o Curso de Verão. “Estava na turma do Enrique Pujals. Ele conversava com um aluno de doutorado, quando ouvi a seguinte frase de um aluno ‘é um trabalho de formiguinhas’. A partir dali, Pujals deu uma aula inteira sobre como formigas agem e relacionou com a teoria dos jogos. Eu pensei: é aqui que eu quero estar.” 

Para 2020, a matemática tem como principal objetivo se adaptar à nova vida, depois de passar por tantas mudanças. “Moro em Copacabana e no início vou fazer bate-volta em São Paulo aos finais de semana, enquanto Arno não se instala definitivamente aqui”, conta com entusiasmo.

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