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01/10/2019

No IMPA, Roberto Velho pesquisa mean-field games


Cecília Manzoni

Qual é o trajeto mais curto para se deslocar de casa ao trabalho? Como escolher os produtos certos no supermercado para diminuir o valor das compras do mês sem deixar de lado nenhuma necessidade? Como minimizar os custos de produção de uma fábrica? Ou ainda, como podemos determinar a velocidade mínima necessária para um foguete escapar da atração gravitacional da Terra?

Essas são algumas questões que a otimização, área da Matemática Aplicada que desenvolve métodos para encontrar a melhor opção disponível para problemas do mundo real  busca responder, segundo critérios estabelecidos. Motivado pela concretude desse tipo de problemas, Roberto Machado Velho se dedica a destrinchá-los em seu pós-doutorado no IMPA, instituto que integra desde abril.

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Especialista nas áreas de análise e equações diferenciais parciais, Roberto é um dos poucos brasileiros que pesquisam a teoria dos mean-field games. Ainda sem uma tradução oficial para o português, o termo designa o estudo de tomadas de decisão estratégicas em populações muito grandes de pequenos agentes interativos.  

“Os mean field-games são problemas de aproximação de uma solução de um jogo quando se tem muitos jogadores tentando realizar uma mesma tarefa de forma ótima”, simplifica o matemático.

Eles têm aplicações no mercado financeiro e podem influenciar aspectos da macroeconomia, como por exemplo, nas taxas de juros estipuladas pelo governo de um país. 

Durante a infância no bucólico bairro de Vila Isabel, na Zona Norte do Rio, este tipo de questão já instigava Roberto, motivando seu interesse na Matemática. Era o início da década de 90 e não havia um brasileiro que não se preocupasse com a inflação galopante que chegava a superar os 80% ao mês.

“Eu e meus irmãos íamos ao supermercado e disputávamos para ver quem conseguia fazer as contas mais rápido. Como na época os preços dos produtos variavam muito, era um verdadeiro desafio”, lembra o pós-doutorando.

O talento matemático começou a desabrochar no ensino fundamental, no  primeiro contato com estruturas algébricas. Mais tarde, no ensino médio, estudou no CEFET/RJ, onde fez curso técnico em Eletrotécnica. Acabou entrando em Engenharia Eletrônica e de Computação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 

Chegou a ficar alguns semestres no departamento, mas Roberto se deu conta de que a abordagem da matemática no curso não supria suas demandas. “Percebi que se me formasse em engenharia eletrônica não saíria da instituição dominando a Matemática. Tinha vontade de ir mais além, aprender mais.”

A participação em uma turma especial de cálculo com os melhores classificados dos cursos de Engenharia e de Matemática Aplicada encerrou suas dúvidas. Em 2004, o então universitário se matriculou em Matemática Aplicada, na mesma UFRJ, e logo começou a integrar projetos de iniciação científica em Computação.

Na escolha do mestrado, Roberto viveu mais um dilema entre uma formação mais acadêmica e outra mais direcionada ao mercado. Depois de muita ponderação, descartou o mestrado em Engenharia Elétrica na PUC-Rio para se matricular no mestrado em Matemática Aplicada na UFRJ. Orientado pelo professor Fábio Antonio Ramos, Roberto defendeu dissertação sobre equações diferenciais ordinárias e equações do transporte com regularidade Sobolev em 2011.

Ao fim do mesmo ano, o matemático recebeu uma proposta para integrar o programa de doutorado em Matemática do Instituto Superior técnico de Lisboa. “Nesta época, eu já tinha me interessado por mecanismos de controle ótimo, e o professor Diogo Gomes, um dos poucos pesquisavam o tema, me convidou para trabalhar com ele.”

A temporada em terras lusitanas foi breve. Depois de um ano e meio, Gomes recebeu um convite para integrar o corpo científico da Universidade de Ciência e Tecnologia King Abdullah, instituição de ensino superior que havia sido inaugurada recentemente na Arábia Saudita. 

Apesar do destino inusitado, Roberto seguiu seu orientador, embarcando rumo à Thuwal. A vila que costumava ser uma pacata colônia de pescadores foi o espaço escolhido para sediar o imenso campus universitário de 500 mil m² da King Abdullah.

O sistema da Monarquia Absoluta, o clima árido e as rigorosas leis impostas pela Sharia são alguns dos muito fatores que separam a cultura brasileira da cultura da Arábia Saudita. Para Roberto, o impacto dessas diferenças foi atenuado. “A universidade tinha muitos estrangeiros, e dentro do campus, muitas regras são diferentes daquelas do pais”, conta.

Ainda assim, a experiência de viver em um país tão diferente serviu para que ele desmitificasse estereótipos sobre aquela sociedade. “Eles não são tão diferentes assim do mundo ocidental”, acrescenta o matemático, que viajou com amigos para várias povoados do país.

Morando em um apartamento com varanda de frente para o Mar Vemelho, Roberto não tinha do que reclamar. A estrutura da universidade era impecável, e o ambiente era de troca com mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos de diversas áreas. 

No projeto de doutorado, o matemático falou sobre os mean-field games com ênfase em estudos de multidões (crowd motion problems), sub-área que possui aplicações práticas como em planos de evacuação de um edifício, por exemplo. No IMPA, Roberto segue desenvolvendo pesquisas sobre o tema e tem o objetivo de disseminá-lo pelo país. 

Situado na Floresta da Tijuca, o instituto é um ambiente que o inspira neste sentido. “Aqui temos uma conjuntura única, um espaço agradável e silencioso, uma boa sala de leituras e um corpo científico composto por pesquisadores de áreas diferentes da Matemática, com quem posso dialogar e aprender sobre outras pesquisas”, conta.

Com a trajetória consolidada na Matemática Aplicada, o pós-doutorando ainda não descarta atuar no mercado no futuro. “Depende das oportunidades que surgirem. Se aparecer algo na indústria com problemas interessantes e que me atraiam, é uma opção”.

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