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08/04/2021

Dia Mundial da Astronomia é celebrado nesta quinta-feira (8)

Cecília Manzoni

Contas a pagar, mudanças de carreira, problemas em relacionamentos, planos que dão errado. Muitas das questões que afligem os seres humanos cotidianamente parecem irrelevantes diante dos grandes mistérios que o universo guarda. De onde viemos e para onde vamos? Ainda não temos resposta.

Trata-se de uma pergunta primordial da astronomia, ciência que estuda a formação e a evolução dos corpos celestes. Se somos todos feitos da poeira das estrelas, como anunciava Carl Sagan, é de se compreender o fascínio provocado por novas descobertas deste campo do conhecimento. Para celebrar sua importância, comemora-se nesta quinta-feira (8) o Dia Mundial da Astronomia.

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Astrofísica do Observatório do Valongo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a porto-riquenha Karín Menéndez-Delmestre acha que um dos principais atrativos da astronomia está em um gesto simples: olhar o céu. “Basta ir a um lugar mais afastado dos grandes centros, em uma noite escura, que é possível ver estrelas e uma série de estruturas que estão bem distantes, são desconhecidas. O céu é lindo, e é para todos”, ela diz.

A observação despretensiosa do espaço evoca um sentimento imediato de conexão com as origens do ser humano, aponta a pesquisadora. “Tudo isso nos faz pensar sobre a origem da terra, e sentir que somos partes de um todo, um pontinho azul neste mar de estrelas. Surge o desejo de entender como aconteceu isso tudo, como se deu o ‘Big Bang’, e como será nosso futuro. Isso cativa a imaginação das pessoas de uma forma muito natural”, acredita.

História e desenvolvimento

Não por acaso, as origens da astronomia remontam a este gesto espontâneo de olhar o céu. Culturas pré-históricas relacionavam a observação dos corpos celestes com a previsão de eventos, como estações do ano, época de chuvas e cheias de rios. Só a partir do século 17, com o desenvolvimento de instrumentos como o telescópio, que a astronomia passou a incorporar o método científico.

Criado pelo alemão-holandês Hans Lippershey (1570-1619), o telescópio, também chamado de luneta, permitiu o nascimento da astronomia moderna, conta Karín. “Um episódio marcante foi quando Galileu Galilei apontou, pela primeira vez, um telescópio para o céu, e detectou, entre outras coisas, o sistema de luas de Júpiter. Isso gerou uma grande mudança de paradigma, porque descobriram que a Terra não era o centro de tudo”, relata.

Os primeiros mapas da Via Láctea e catálogos de nebulosas surgiram nos séculos 18 e 19. Mas foi só em 1920, motivada pelo debate entre os astrônomos Harlow Shapley (1885-1972) e Heber Curtis (1872-1942), que a humanidade descobriu a existência de  outras galáxias, dando início à astronomia extragaláctica.

O avanço de tecnologias, como o advento das placas fotográficas e satélites espaciais, facilitou o armazenamento de dados dos movimentos celestes, que, durante séculos, foram registrados somente em anotações e desenhos. “As placas fotográficas aproveitam a cristalização de determinados elementos químicos para criar grandes fotografias, que ficam gravadas em um vidro. Já os satélites espaciais permitem que a gente faça estudos em energias altas como os raios gama e X”, relata a pesquisadora do Observatório do Valongo.

Ela acrescenta ainda que, por estarem acima da atmosfera, os satélites especiais facilitaram a geração de imagens mais nítidas do espaço. “O telescópio espacial Hubble foi uma grande revolução na nossa capacidade de conseguir enxergar detalhes de objetos muito distantes, galáxias que tinham se formado quando o universo era muito jovem, com apenas algumas centenas de milhões ou bilhões de anos.”

Atualmente, a astronomia se divide em três braços: a astronomia observacional, astronomia teórica e astronomia instrumental. A primeira consiste na obtenção de dados a partir da observação, utilizando os princípios básicos da física. Já a segunda é orientada para o desenvolvimento de modelos analíticos e simulações computacionais que descrevem objetos e fenômenos astronômicos. A astronomia instrumental lida com o desenvolvimento de novos instrumentos para o desenvolvimento desta ciência.

Relação com a matemática

Com suas leis e equações, a matemática foi e continua sendo um elemento fundamental para o estudo do movimento dos corpos celestes. E a recíproca é verdadeira. O diretor-geral do IMPA, Marcelo Viana, diz que a matemática, em grande medida, nasceu da astronomia. “Não por acaso, até o século 19, praticamente todo matemático era astrônomo”, ele lembra.

“Os corpos celestes estão muito longe, inacessíveis a tudo, menos à visão. O único jeito de entender seus comportamentos é observá-los e, a partir disso, intuir leis matemáticas que eles pareçam seguir. Tais leis podem ser confrontadas por novas observações. Se passarem no teste, passam a servir para prever o futuro, que é um dos grandes objetivos da ciência. Deste modo, a astronomia fornece problemas à matemática, que paga com soluções”, explica Viana.

Encantado pela astronomia durante a infância e a adolescência, o diretor-geral do IMPA revela que chegou a ter um caderninho onde anotava todas as informações relativas à ciência que encontrava. “Devorava toda informação que aparecia pela frente. Anotava com lápis os dados relativos ao sol, planetas, cometas e estrelas que encontrava nesta bibliografia. Aprendi nomes de números ‘astronômicos’ como trilhões, quatrilhões, quintilhões, para poder ler os números que surgiam na astronomia.”

O desejo jovial de se tornar astrônomo ficou latente quando ele soube, em 1975, que a NASA iria enviar duas sondas em direção à Marte. Viana acabou ficando na matemática, mas a astronomia se faz presente na sua atuação através dos sistemas dinâmicos, sua especialidade. 

A obra “Métodos da Mecânica Celeste”, de Henri Poincaré (1854-1912), surgiu para contornar dificuldades da equação da gravitação de Newton, que regia o movimento dos planetas em torno do Sol. “Os novos métodos apresentados no livro acabaram dando origem à área de sistemas dinâmicos, que foi se consolidando ao longo do século 20”, conta o diretor-geral do IMPA.

Contribuições para a sociedade

Algumas das tecnologias desenvolvidas pela astronomia são encontradas, em versões muito menos complexas, em aparelhos e ferramentas que usamos no nosso cotidiano. Karín Menéndez-Delmestre cita como exemplo o dispositivo de carga acoplada (CCD), sensor utilizado nos telescópios, que estão presentes nos chips das câmeras digitais e smartphones. “É uma tecnologia inicialmente desenvolvida para atingir objetivos científicos  específicos da astronomia, como a possibilidade de enxergar galáxias cada vez mais distantes, e que acabou sendo incorporada no dia a dia das pessoas.”

Debruçada sobre um dos maiores mistérios do universo, a porto-riquenha tem como objetivo de pesquisa mapear os efeitos da atração gravitacional da matéria escura na Via Láctea e identificar como isso vai modificar nossa galáxia no futuro. “O que me inspira a fazer astronomia não é tanto a aplicabilidade imediata, mas o desejo de contribuir ao conhecimento da humanidade. Quero entender mais sobre o universo e como ele chegou ao que ele é agora. Como o gás começou a virar estrela, depois galáxias, e como começaram a surgir planetas e buracos negros? Só a ciência básica pode nos ajudar a encontrar estas respostas.”

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