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27/08/2021

Prova ‘incompreensível’ causa polêmica na matemática

Imagem: Paddy Mills/ Flickr

Uma década, mais de 500 páginas e quatro artigos depois, o destacado matemático japonês Shinichi Mochizuki, da Universidade de Quioto, estava confiante de finalmente ter alcançado uma demonstração para a conjectura abc, um dos principais problemas em aberto da aritmética. Em agosto de 2012, ele havia publicado sua extensa prova em sua página pessoal na PRIMS, revista científica na qual atualmente é editor-chefe. Bastou outros colegas da área passarem o olho no material para o sonho de ter concretizado esse grande feito ruir. Escrita em um estilo enigmático, a demonstração expunha conceitos pouco familiares aos leitores. A prestigiada revista Nature a classificou como “incompreensível”, e, desde então, a prova vem causando rebuliço na comunidade matemática internacional.

A complexidade do raciocínio exposto por Mochizuki impressionou até mesmo profissionais renomados da área. “Ao olhar para ela (a prova), você se sente um pouco como se estivesse lendo um artigo do futuro ou do espaço sideral”, escreveu Jordan S. Ellenberg, professor da Universidade de Wisconsin que foi plenarista do 33º Colóquio Brasileiro de Matemática, em seu blog pessoal, à época. O próprio Mochizuki estimou que um estudante de pós-graduação de matemática levaria 10 anos para entendê-la.

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No fim de 2015, matemáticos de todo o mundo se reuniram em um workshop na Universidade de Oxford, no Reino Unido, para apreciar a demonstração.  Mochizuki recusou o convite, mas a ideia era que seus colaboradores presentes explicassem os artigos para a comunidade científica e tirassem suas dúvidas. O que não ocorreu como esperado. O imbróglio levou a uma reflexão importante: se ninguém é capaz de entender uma demonstração, ela tampouco pode ser verificada.

Conjectura abc

A demonstração de Mochizuki da conjectura abc foi pavimentada por décadas de pesquisa em geometria não comutativa, área conhecida por seu elevado grau de dificuldade. Formulada em 1985, a conjectura parte de uma equação muito simples: a + b = c. No entanto, essa aparente simplicidade expressa um vínculo profundo e até agora desconhecido entre a soma e a multiplicação de números inteiros.

Qualquer número inteiro pode ser fatorado em números primos, seus “divisores”. Por exemplo: 60 = 5 x 3 x 2 x 2. A conjectura afirma aproximadamente que se muitos primos pequenos dividem dois números a e b, então apenas alguns, os grandes dividem sua soma, c. Uma prova confirmada do problema pode revolucionar a teoria dos números, por exemplo, fornecendo uma abordagem inovadora para provar o último teorema de Fermat, lendário problema formulado por Pierre de Fermat em 1637 e resolvido apenas em 1994.

Medalha Fields Peter Scholze identificou falha na demonstração

Cinco anos se passaram desde a divulgação dos artigos por Mochizuki para que a demonstração começasse a ser compreendida pelos grandes nomes da matemática. O  jovem alemão Peter Scholze, que já era considerado uma autoridade em geometria aritmética e logo depois acabaria ganhando a medalha Fields, no Congresso Internacional de Matemáticos de 2018 (ICM) realizado no Rio de Janeiro, foi um deles. Mas a conclusão a que chegou não foi lá muito animadora. 

De acordo com a Revista Quanta, Scholze costumava se abster das discussões sobre artigos acadêmicos, exceto quando questionado diretamente sobre o que pensava. Em uma publicação sobre a demonstração no blog pessoal do matemático Frank Calegari, da Universidade de Chicago, ele escreveu uma mensagem afirmando ser “completamente incapaz de seguir a lógica após a figura 3.8 na demonstração do corolário 3.12.

Taxativo, acrescentou que “aqueles que asseguram que compreendem a demonstração não estão dispostos a admitir que nesse ponto é preciso explicar mais.” Comentário que agitou a comunidade científica.

Artigos foram publicados em revista científica, mas ainda suscitam dúvidas

Em março de 2020, a revista científica PRIMS publicou o conjunto de artigos do matemático japonês sobre a conjectura abc. O trecho do corolário 3.12 criticado por Scholze, no entanto, permaneceu sem alterações. Apesar de ser editor-chefe da revista, Mochizuki não participou da revisão de pares, algo corriqueiro nesse tipo de situação.

No entanto, a comunidade matemática está pressionando o PRIMS para revelar quem participou e que argumentos deram para sua aprovação. Enquanto isso, o mistério segue no ar: haverá ou não uma demonstração confirmada para a conjectura abc?

Fonte: BBC Brasil, Nature e Quanta Magazine

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