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22/11/2019

Com mais de 5 mil gols, Gugu é craque em campo e na OBM

Luiza Barata 

Não consta na Plataforma Lattes, mas Carlos Gustavo Tamm de Araújo Moreira é pai, flamenguista, fã da Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM) e artilheiro. Ídolo dos olímpicos, como são chamados os participantes de competições acadêmicas, ele é conhecido mundialmente como Gugu. O gosto por números está em quase tudo, até na hora de jogar futebol: faz questão de contabilizar em atas oficiais os gols das partidas com os alunos do IMPA, no Clube dos Macacos, no Horto. “Quando estava perto de marcar cinco mil gols, saí do jogo. Guardei para a partida seguinte, para organizar uma comemoração. Quando completo mil gols, marco um churrasco. Hoje, já são 5.532”, diz, sem modéstia, o matemático com muito mais gols que Pelé (“apenas” 1.282). 

Até mesmo no ICM 2018 (Congresso Internacional de Matemáticos), onde fez uma palestra plenária, todos o chamavam de Gugu. “A minha família ainda me chama de Carlinhos, mas só a minha mulher me chama de Carlos Gustavo.”

O espírito amistoso e o bom humor de Gugu são marcas registradas que faz questão de exibir, junto ao escudo rubro-negro e os broches políticos, que quase sempre vão na camisa. O pesquisador está no IMPA desde 1997 e, há sete anos, é responsável pela OBM. Quando não está tratando de números, Gustavo gosta de frequentar rodas de samba e debater política. 

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Sua relação com a matemática começou cedo. “Entre 11 e 12 anos, quando ia visitar minha família de Belo Horizonte (MG), via um primo que já estava começando a estudar computação. Ele tinha um livro de cálculo bem grande. Convenci meu pai a comprar um para mim na Feira do Livro.” Logo em seguida, conheceu o IMPA e fez um curso de iniciação científica. Gugu obteve boas notas, foi apresentado ao vice-diretor à época, Elon Lages Lima, e começou a participar de olimpíadas. 

Gugu é coordenador-geral da OBM

Essa guinada lhe trouxe uma adolescência bem diferente dos demais colegas e uma formação acadêmica que fugiu da ordem cronológica usual. “Ia para o colégio de manhã, vinha para o IMPA à tarde. Acabei fazendo, mais ou menos, o programa de mestrado junto com a escola. Era o mais novo da sala. Um grupinho de nerds do Colégio Santo Inácio achava isso o máximo. Eu até trouxe alguns para estudar comigo.” Curiosamente, ele avalia que era mais fácil estar no IMPA do que na escola. “Lá (no colégio) eram oito, nove matérias para dar conta… Aqui (no IMPA), eram só duas!”

Mas a rotina era motivo de preocupação para os pais. Filho do antropólogo Carlos de Araújo Moreira e da professora de inglês Anna Lucia Tamm, o matemático ri ao lembrar que os dois aguardavam diariamente ansiosos pelo retorno do filho à casa, em Copacabana. “Eu me dividia entre a escola, o IMPA e política. Saía de manhã e às vezes só voltava bem tarde.” 

Aos 17 anos, Gugu enfrentou o desafio de defender a tese de mestrado “Centralizadores de Difeomorfismos do Círculo”, com o orientador Jacob Palis. Entre o mestrado e a graduação, acumulou outros títulos importantes. Conquistou a primeira medalha de ouro na 4ª Olimpíada Iberoamericana de Matemática, bronze na 30ª Olimpíada Internacional de Matemática (IMO) e ouro na edição seguinte. Enquanto participava de competições, conheceu países como Cuba, China, Alemanha e Espanha. 

Só em seguida, concluiu a graduação. Cursou matemática pela UFRJ e, em um ano, já tinha o diploma na mão. “Como o mestrado veio antes, fui dispensado de muitas disciplinas.” A parceria com Jacob Palis continuou dando frutos: de volta ao IMPA, seguiu com o orientador durante o doutorado, concluído em 1993, aos 20 anos.

Seguiu para a França, onde viveu por dois anos. Foi lá que conheceu o medalhista Fields, Jean-Christophe Yoccoz, de quem se lembra com carinho. “Foi meu orientador no pós-doutorado na Universidade Paris-Sul e um matemático muito amigo do Brasil. Morreu jovem, aos 59 anos, e teve uma relação muito próxima da gente. Trabalhávamos em português. Foi uma pessoa muito importante para o início da minha carreira.” 

Gugu ao lado de Jacob Palis, Welington de Melo e Marcelo Viana

A vida no exterior não trouxe só alegrias. Talvez tenha sido o período onde a diferença de idades entre ele e os demais alunos mais pesou. “Era muito jovem na época e não foi muito fácil morar fora do Brasil. O pós-doutorado é uma carreira meio solitária, então não tinha muito a minha turma por lá.” 

Logo que retornou ao Brasil, Gustavo conseguiu uma bolsa de pesquisador associado ao CNPq, que passou a ter a partir de 1995. No ano seguinte, foi candidato a vereador pelo Rio de Janeiro. “Tem uma lenda de que o meu discurso na televisão dizia assim: ‘Companheiros, eu sou Gugu, candidato a vereador pelo Partidão, número 21.603. Meu trabalho vocês conhecem, eu provei que a interseção de estáveis de conjuntos de cantos irregulares são densos na região da soma das dimensões é maior do que um. Urubu vota no Gugu.’ Tem gente que diz que viu na televisão, mas isso é mentira…minha candidatura foi acidental”, diz, rindo. A vontade de se tornar político ficou no passado.

O pesquisador considera o nicho em que atua “um pouco dispersivo”. A área principal é a de sistemas dinâmicos e geometria fractal. Mas eventualmente busca estudos ligados à teoria dos números e combinatória. Atualmente, divide o tempo de pesquisa entre dez meses no IMPA e outros dois na China, onde leciona na Universidade de Nankai. 

Um assunto específico que vem atacando nos últimos anos é o Espectro de Lagrange que, resumidamente, busca aproximar números reais de números irracionais. “São coisas bonitas da matemática que relacionam áreas que, aparentemente não tem nada a ver, mas acabam tendo relações profundas.” 

Relação que parece estabelecer também na vida pessoal. “Principalmente no colégio, o que me motivou muito foi que matemática não depende de princípio de autoridade, é um negócio que você consegue descobrir por conta própria o que vai acontecer. Você consegue verificar, por você mesmo, se o que o professor diz, está certo, está errado. Não é como história, que você não tem como verificar pessoalmente naquele momento.” 

Sistemas Dinâmicos: Enrique Pujals, Gugu, Artur Avila, Jacob Palis, Welington de Melo e Jean-Christophe Yoccoz

O pesquisador teve um filho, Carlos (10 anos), com a matemática Raquel Scarpelli, com quem foi casado. Hoje, Gugu vive com o filho, a atual mulher, Maria do Carmo de Brito Tamm de Araujo Moreira e a enteada Gabriela. Aos 8 anos, Carlos chegou a participar de um artigo com o pai publicado na “Revista do Professor de Matemática”. O hábito, é claro, vem de casa. As senhas dos videogames da família são formadas por sequências de dígitos do número Pi: portanto Carlos precisa sabê-las de cor. De tanto ouvir falar em categorias de números, Carlos criou a sua própria: a que chamou de números assemblares, tema do artigo com o pai. São números formados por dígitos que aparecem dentro do Pi, sem dígitos repetidos. Como, por exemplo, 14, 1592 e 35897. 

Na sala de Gustavo, no IMPA, o prêmio Erdös, oferecido em 2018 por sua contribuição à matemática olímpica, ocupa lugar de destaque. O pesquisador diz que a comissão de olimpíadas faz um pouco de tudo para dar conta da competição voltada para estudantes do Ensino Fundamental, Médio e Universitário de instituições públicas e privadas. “Treinamos as equipes que vão competir, criamos os problemas das provas, fazemos treinamentos por todo o país e organizamos a premiação anual.” 

Para ele, o papel mais importante da olimpíada é mostrar ao grande público que pesquisa em matemática é algo atual e uma carreira promissora. “A maioria acredita que é uma coisa inventada há muitos séculos. Mas é uma ciência viva, tem muito mais coisa para se descobrir.” Segundo ele, as provas extrapolam o universo olímpico e estimulam os participantes e o ensino da disciplina em geral – uma vez que professores trocam experiências, dicas e elaboram problemas mais criativos.

Entusiasta de competições de futebol e matemática, Gugu não se considera uma pessoa “muito competitiva”. “Mas algumas pessoas dizem que sou”, ri. Um dos destaques da Semana Olímpica, quando é realizada anualmente a premiação da OBM, para ele, é o momento da “vingança olímpica”, quando é a vez dos alunos elaborarem questões desafiadoras para professores resolverem. “Às vezes, eu perco… mas é um dos momentos mais legais do evento”. 

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