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06/08/2021

Colóquio debate uso da matemática no combate à Covid

Kucharski em palestra no 33º CBM

É um importante momento para a matemática. Pela primeira vez, a nossa ciência tem grande impacto em políticas públicas mundo afora. As palavras são do matemático Tiago Pereira (ICMC-USP), que participou esta semana da mesa redonda “Mathematical Epidemiology in the Post-Covid World” no 33º Colóquio Brasileiro de Matemática. Mas elas também traduzem as conversas sobre os impactos da pandemia do novo coronavírus na matemática, que tem sido uma ferramenta fundamental na luta pelo controle da Covid-19.

Na quinta-feira (5), o professor da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, Adam Kucharski, apresentou um panorama completo de como os modelos matemáticos ajudam a prever melhor o comportamento de uma pandemia e contornar limitações de dados e análises sobre a evolução do novo coronavírus.

“Um dos maiores desafios que temos durante uma pandemia é que não conseguimos acompanhar exatamente o que está acontecendo em tempo real, apenas o resultado do que acontecia algumas semanas atrás a partir das medições sobre essa pandemia. E o grande problema é que geralmente os dados disponíveis não costumam ser muito bons. Em todas as pandemias nas quais eu trabalhei, sempre há problema com dados, que sempre estão atrasados e incompletos”, contou Kucharski, que é autor do livro “As regras do contágio: Por que as coisas se disseminam”.

Na plenária “Using mathematical models to generate better pandemic insights”, o pesquisador britânico citou como exemplo uma análise feita pelo Imperial College – universidade britânica que virou referência para estudos sobre a Covid-19. O estudo analisou um dia no qual a cidade de Wuhan, na China – onde os primeiros registros oficiais de casos do novo coronavírus foram feitos – reportou 41 casos de infectados com o novo coronavírus, e dois outros países registraram três casos. 

Como a proporção de casos em outros países era bem maior do que a de casos registrados em Wuhan, pesquisadores aplicaram um modelo matemático simples para investigar se os números na cidade chinesa estavam desatualizados. A partir de um padrão médio, eles fizeram uma estimativa de quantas pessoas em Wuhan teriam viajado para fora da cidade naquele dia e para onde foram. Depois, fizeram um cálculo do movimento inverso e, a partir daí, estimaram quantos infectados existiriam naquele momento em Wuhan, aplicando a proporção com o de três infectados em outros países. 

“Esse foi um cálculo simples mas muito poderoso, porque mostrou que provavelmente já havia milhares de infectados em Wuhan naquela altura, o que conseguimos confirmar dias depois com as atualizações”. 

Na palestra, Kucharski também apresentou modelos matemáticos que podem ser aplicados em casos individuais, para estimar a variação da transmissibilidade entre indivíduos, e na análise da chegada da variante Delta no Reino Unido, comparando a evolução dessa cepa com a britânica entre os infectados no país.  “A única forma de evitarmos novos ‘lockdowns’ é estarmos muito cientes e com dados muito atualizados sobre o vírus, e os modelos matemáticos são essenciais para isso”, concluiu. 

E o diálogo da matemática com outras áreas e ciências é o que pode garantir dados cada vez mais atuais para que governos possam ter uma ideia mais precisa do comportamento do vírus em suas cidades e países, segundo o matemático Tiago Pereira. No Colóquio, ele observou como a pandemia integrou a matemática a outros campos com os quais tradicionalmente matemáticos como ele não costumam trabalhar. 

“Com a pandemia, começamos a trabalhar com pessoas dos mais diferentes campos ao redor do mundo, e acho que isso é algo que realmente veio para ficar. Especialmente o diálogo entre matemática e os dados é uma grande oportunidade para as instituições brasileiras”. 

Tiago Pereira participou da mesa redonda sobre epidemiologia matemática que o Colóquio  levou aos participantes de sua 33ª edição. O debate também contou com os pesquisadores Gabriela Gomes, da Universidade de Strathclyde, na Escócia; Claudio Struchiner, da Fundação Getúlio Vargas do Rio (FGV-Rio); Chris Bauch, da Universidade de Waterloo, no Canadá e Sara Del Valle, do Los Alamos National Laboratory, nos Estados Unidos.

Sara Del Valle é um exemplo de como a matemática passou a ser essencial para as políticas públicas. Desde 2020, ela vem trabalhando com a Organização Mundial da Saúde, com o  Departamento de Saúde do estado norte-americano do Novo México e com o Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), o órgão do Departamento de Saúde dos Estados Unidos que vem ditando as medidas de prevenção que devem ser adotadas no país desde o início da pandemia. 

“Nós matemáticos temos a tendência de gravitar ao redor de modelos mais abstratos quando podemos aconselhar e mostrar aos governos e políticos o que pode ser feito com esses modelos”, disse. 

Simetrias e grupóides

Também nesta quinta-feira (5), a matemática María Amelia Salazar, da Universidade Federal Fluminense (UFF), apresentou ao público virtual novos questionamentos à ideia de simetria. Em sua palestra de divulgação “Grupóides, a busca por simetrias e além”, dirigida especialmente a alunos que querem se iniciar na pesquisa científica, María Amelia usou o desenho de uma borboleta para questionar nosso senso comum sobre imagens simétricas. 

“Quando pensamos em simetria, todo mundo costuma ter uma ideia intuitiva disso. Quando pensamos que uma borboleta é simétrica, pensamos que quando traçamos uma linha no meio, ela se vê idêntica. O mesmo acontece quando pensamos com o quadrado. Mas nem sempre é assim”, disse Salazar, vencedora, em 2020, do Prêmio Para Mulheres na Ciência, promovido pela L’Oréal Brasil em parceria com a UNESCO no Brasil e a Academia Brasileira de Ciências. Os grupóides foram apresentados por Salazar como opção de solução quando um grupo de simetrias não é suficiente.