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20/02/2020

À procura de ‘soluções ótimas para problemas da vida real’

Luiza Barata 

Amante do cinema, Alfredo Iusem não gosta de perder tempo para escolher a qual filme assistir. “Vejo de três a quatro por semana. Escolho o que quero, confiro em quais salas está sendo exibido, penso no melhor horário entre meus compromissos e compro os ingressos online. Sou um otimizador!”, dispara de forma prática. Iusem é um dos pesquisadores do IMPA que trata de assuntos ligados à matemática aplicada. 

“A diferença para matemática pura não é totalmente clara e categórica. Seja qual for a sua área, há ligações muito fortes de uma com a outra. Não podemos dizer que são áreas completamente dissociáveis”, pontua. “A otimização, em particular, é a área que procura encontrar soluções ótimas para certos problemas da vida real. Ou seja, a ideia é que você, em certas situações, tem muitas opções e tem que escolher uma que, com base em algum critério, é a melhor. Como na hora de fazer compras no supermercado, por exemplo. Você sabe qual é o grau de satisfação que dá cada um dos produtos, e precisa articular isso dentro do seu orçamento.”

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A área em que o pesquisador atua, permite que sejam elaborados métodos para saber como resolver o problema do supermercado “hoje, amanhã e em todos os outros dias”. Já em casos mais elaborados, como em refinarias de petróleo, quando existem demandas e custos de produção mais elevados envolvidos no processo de escolha, “é preciso usar algoritmos, métodos já programados e computação para tomar decisões.”

Alfredo é o primogênito de três irmãos, filhos de um médico e uma dona de casa argentinos. “Durante o primeiro grau, não me interessava muito por matemática. Na terceira série, nós pegamos todas as doenças típicas da infância em um ano. Sarampo, catapora e duas rubéolas. Então, fiquei sem ir à escola por quase um ano. Deveria ter repetido, mas meu pai foi falar com professores e acabei passando de ano, mesmo sem saber várias coisas de matemática.” 

O primeiro impasse numérico veio quando estudava no tradicional Colégio Nacional de Buenos Aires. “Criei uma certa rejeição pela disciplina. A verdade é que não sabia dividir com decimais. E achava que nunca ia superar isso.” Mas no ensino médio, o alívio. “Encontrei bons professores que me mostraram que matemática era outra coisa, tinha mais a ver com raciocínio, e não só com fazer contas. Entre treze e catorze anos, comecei a gostar da disciplina.”    

Iusem se inscreveu em quatro carreiras diferentes na faculdade. “Se você estuda no Colégio Nacional, você não precisa fazer vestibular para a Universidade de Buenos Aires. Pode ingressar diretamente na faculdade, escolhendo qualquer carreira que quiser. Como estava em dúvida e, ao mesmo tempo, me sentindo onipotente aos 18 anos, fiz inscrição para quatro carreiras: matemática, física, história e antropologia.”

Geograficamente falando, seria impossível conciliar os cursos. Os campus da universidade ficavam em pontos distantes da cidade. “Em duas semanas, percebi que ia enlouquecer. Precisei escolher e decidi ficar com a parte das ciências exatas. Ainda poderia acompanhar história e antropologia ‘de longe’, mas ao contrário não seria possível. Você não pode acompanhar matemática sem um estudo formal. Bom, pelo menos eu não poderia. Seria um matemático amador.”  

Em 1971, e depois de desistir de seguir com o curso de física, Iusem se formou em matemática. “Havia algumas categorias de docência na própria universidade. Fiquei como professor assistente, que era como um monitor. O cargo é abaixo do chefe de trabalho prático e, finalmente, do professor. Na Argentina, ainda não existia o mestrado em matemática. O sistema de ensino superior argentino é como o francês: um bacharelado, chamado de licenciatura, mas que não tem nada a ver com a licenciatura que vemos aqui no Brasil, e o doutorado.” 

Nos anos seguintes, o pesquisador se dedicou principalmente à política e ao cargo de sindicalista docente. “Foram anos muito turbulentos na Argentina. O golpe militar nos levou a uma ditadura terrível. Tanto que saí do país mais pela situação política do que pela perspectiva de continuar com os estudos. Fui para o México porque lá acolhiam os argentinos.” Em 1974, Iusem passou a trabalhar no Instituto Nacional de Ciência e Técnicas. 

“Entre muitos choques culturais, um deles foi observar que só uma graduação não era tão forte para arrumar trabalho na área acadêmica do México. Então, comecei a pensar em fazer doutorado nos Estados Unidos. Meu orientador do fim de curso do bacharelado na Argentina tinha boas ligações com uma pessoa muito importante da área de otimização, George Dantzig.” 

Por quatro anos, o pesquisador se dedicou ao doutorado na Universidade Stanford. “Não gostava muito dos Estados Unidos. Basicamente, acabei na seguinte situação: fiz algumas entrevistas e havia duas ofertas de emprego. Existia também a possibilidade de ficar como pós-doc por um ou dois anos. Voltar para a Argentina não parecia boa ideia por conta da situação política. E, no meio tempo, fiquei em contato com colegas que tinha conhecido na Argentina. Um deles tinha feito doutorado na UFRJ e estava muito entusiasmado com o Rio de Janeiro.” 

Foi quando Iusem começou a cogitar a possível vinda para o Brasil. A primeira visita ao país rendeu bons contatos com professores da UFRJ e do IMPA. À época do “milagre brasileiro”, o pesquisador levou em conta a questão do atrativo salário e da baixa na inflação para cogitar a mudança. “Além disso, me senti mais à vontade no Rio em duas semanas do que durante os três anos em que estive nos Estados Unidos. Mesmo estando no grupo da elite, entre os americanos, seria visto como ‘o estrangeiro’ por toda a vida.” 

Depois de decidir pela vinda para o Brasil, Iusem se viu em um novo dilema. “Fiquei na dúvida entre UFRJ e IMPA. “À primeira vista, achei que o IMPA estava um pouco isolado do cenário acadêmico. Então, topei ir para UFRJ, só que, quando confirmei a eles que viria, o processo todo seria muito mais burocrático do que eu havia imaginado.” O que acelerou a vinda do pesquisador para o IMPA, em 1981, onde atua até os dias de hoje.  

Escolha da qual não se arrepende. “A minha carreira foi de muitos altos e baixos. Assim que me mudei, enfrentei problemas por conta da alta da inflação, mas boas novidades vieram também. Na década de 1990, tive bons momentos na pesquisa, com conquistas acadêmicas. Cheguei ao cargo de pesquisador titular, auge da minha vida profissional. E segui pesquisando.” 

Com três livros publicados e mais de 140 artigos divulgados em revistas científicas de diversos países, Iusem prefere não apontar qual deles consideraria mais importante. “Isso envolveria muitos níveis de sutileza”, pondera o otimizador.      

Mas entre os destaques da carreira acadêmica, o matemático é categórico ao destacar a conquista do cargo de pesquisador titular, os “grandes alunos de doutorado” que já orientou e a consolidação de eventos periódicos que organiza, como o Workshop Brasileiro de Otimização Contínua (Brazopt). “Em 2019, o seminário foi uma homenagem aos meus 70 anos. Foi um momento muito bom, quando reunimos cerca de 65 pesquisadores”, lembra com carinho. 

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